“Sempre amigos seremos”, por Francisco Barreto

Nos longínquos idos de 1956 estivemos juntos no Pio X, sob a batuta de Irmão Daniel. Estivemos juntos na arredia e atemorizante trincheira até sermos aprovados no 5º ano primário. Convivemos na escalada rumo ao ginásio.

Lembro-me perfeitamente do seu espírito buliçoso e inteligente plantado numa pequena frágil matriz corpórea quase esquelética. Era amplamente conhecido pela sua irônica rapidez mental e se distinguia apesar de sua estatura desigual.

Sempre com igual arrebatamento estivemos sempre juntos no Lyceu Paraibano, após o que nos enveredamos na Faculdade de Direito no advento da Ditadura.

Éramos jovens combatentes irascíveis em defesa do Estado de Direito e das Liberdades Civis. Fomos silenciados. Você por um triz conseguiu ser bacharel em Direito, quanto a mim a perseguição prosperou com violência, fui cassado e exilado. E você, “banido” para o Amapá.

Nunca em várias décadas nos deixamos de cultivar o afeto que com muita força aflorou na década de oitenta. De lá para cá em caminhos oblíquos nunca nos separamos “malgré” as distâncias geográficas.

A vida nos foi pródiga, propiciando enormes proximidades afetivas. Apesar dos lapsos físicos, fertilizou os nossos fraternos laços, embora fraturados tal como almas gêmeas.

Assim, hoje celebramos uma afetividade que emergiu na década dos anos cinquenta. São muitas décadas comprovando o enunciado de que o afeto é como vento que apaga as pequenas e acende as grandes chamas…

Se transitamos por vezes nas cinzas da distância, estas fertilizaram as raízes de nossa amizade.

Você, na silenciosa humildade, introspecção e grandeza de caráter, herdadas do Doutor Professor Francisco Floriano da Nóbrega, seu venerado pai, sempre se refugiou no silêncio nas suas importantes contribuições dadas ao ordenamento jurídico e ao caráter democrático da constitucionalidade que sobrevive a duras penas nesta pobre Nação.

Louve-se o seu quase nunca noticiado desempenho na Comissão de Direitos Humanos da OEA ou no assessoramento parlamentar de múltiplas emendas à Constituição Cidadã do Dr. Ulysses Guimarães ou no advento da Comissão da Verdade no Ministério da Justiça.

Os brasileiros do bem devem a você gratidão eterna por seus extremados cuidados à reparação dos crimes da Ditadura e tantas outras incursões que sei que o fez alimentando e corrigindo anteprojetos de lei no Congresso Nacional. Cite-se também a Lei da Delação Premiada inclusa no Direito Penal brasileiro.

E agora, nós que lhe conhecemos os gestos grandeza, nos sublimamos e nos exaltamos quando reconhecemos o seu protagonismo no desconhecido lastro e raízes que sedimentaram a Lei 9.140, de 4 de abril de 1995, que reconheceu como mortas todas as pessoas que despareceram ou foram mortas vitimadas pelas ações criminosas da Ditadura Militar.

A Certidão de Óbito de Rubens Paiva, exibida como cimo da gloriosa e bravíssima luta da grande Eunice Paiva ao lado dos filhos e erguida pelas suas corajosas mãos, confirmaram ao Brasil e ao mundo a brutalidade sacramentada pelo governo brasileiro ditatorial em 1975.

Deus quis que você, Humberto Espínola, fizesse a redação final, em coautoria com o Ministro da Justiça José Gregori, do fundamento da citada Lei 9.140/95. Sabemos que veio do seu pensamento e lavratura de decisão judicial e legal de que a cada desaparecido político fosse dado o reconhecimento jurídico de sua morte por um Juiz de Direito, concedendo de pleno e inquestionável direito a Certidão de Óbito da vitima trucidada.

A dura e absurdamente violenta a história da imolação de Rubens Paiva, ora encenada no ‘Ainda estou aqui’, ressuscita o lado violento e mortal da Ditadura para que milhões saibam do que nós vivemos num passado recente.

E que homens do bem e protagonistas da verdade histórica, tempos depois, tiveram a consciência e magnanimidade de não serem cúmplices de inverdades e não permitiram que maldade e a violência continuassem soberanas da miséria politica no cenário de uma violenta e desumana ditadura militar.

A todos que empunharam a verdade, sobremodo aos aqui citados protagonistas da Lei 9.145/95 nossas mais expressivas homenagens.

A Humberto Espínola, o meu estimadíssimo amigo e compadre, cumpre-me reconhecer a sua conduta histórica externando todas as merecidas reverências honrosas pelo distinguido feito jurídico.

 


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Fonte: WSCOM

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