Dizer que alguém “foi de base” ou “foi de arrasta pra cima” é a coisa mais normal do mundo para os adolescentes, mas quando uma expressão dessas aparece na frente de alguém que já passou dos 30 surge logo a cara de interrogação —e poucas coisas dão mais preguiça do que explicar rede social para adulto.
“Todas essas expressões significam que alguém morreu”, resume gentilmente Mariana S. V., de 12 anos. No Google, tem quem arrisque dizer a origem delas. “Ir de base” teria nascido no videogame, quando um personagem volta para a base sempre que morre. “Ir de arrasta pra cima” seria referência à função que o Instagram desativou há um tempo (ou seja, a função também morreu).
“Ir de comes e bebes” é talvez a mais obscura, mas quem chuta diz que é um trocadilho com o “comeback” do League of Legends. Também rolam variações com famosos que já morreram, tipo Olavo de Carvalho, e até com “My Heart Will Go On”, música famosa no filme “Titanic” (1997).
O Folhateen chamou a Mari e outros cinco jovens para dizer de onde acham que surgiram algumas dessas expressões. Participaram Lucas S., 15 anos; Vinicius S., 15 anos; Eduardo G., 15 anos; Guilherme M., 15 anos; Francisco R. A., 14 anos; e a Mariana S. V., 12 anos.
FOI DE BASE
LUCAS: É um termo muito utilizado em jogos quando um player morre e falam “foi de base”.
VINICIUS: Utilizado em games quando alguém mata uma pessoa.
EDUARDO: É a mesma coisa que voltar para onde veio, voltar para a base.
GUILHERME: Foi de base é tipo voltou de onde veio.
FRANCISCO: A pessoa/coisa possivelmente morreu.
FOI DE ARRASTA PRA CIMA
LUCAS: É um termo que muitos influencers dizem quando querem que abra o link dele, e eu não sei por que dizem isso.
VINICIUS: Vocabulário que permite dizer que algo acabou ou morreu, a palavra tem a origem do Instagram, nos stories.
EDUARDO: Arrastar para cima é usado principalmente por usuários do TikTok, onde arrastar para cima é passar para o próximo vídeo, e o vídeo anterior “morre”.
GUILHERME: Arrasta pra cima é porque os caras do marketing falam muito isso.
FRANCISCO: Nas redes sociais tem os vídeos em que você fica dando scroll pra passar pro próximo, daí seria tipo que já acabou.
FOI DE COMES E BEBES
LUCAS: É um termo assim como os outros que diz que a pessoa ou um objeto tenha morrido.
VINICIUS: Vocabulário que permite dizer que algo acabou ou morreu.
FRANCISCO: Comes é quando alguém tomou uma “comida” ou esporro, daí é tipo comes, que seria a bronca, e o bebes, que seria o trocadilho.
FOI DE SUBMARINO
LUCAS: A um tempo atrás um submarino foi visitar o Titanic e ele não voltou mais, e todo mundo morreu.
VINICIUS : Palavra que indica que algo morreu, desapareceu, palavra de origem quando o submarino foi em busca do Titanic e explodiu com a pressão marítima.
EDUARDO: Assim como os outros, o significado é “morreu”, e teve a notícia onde recentemente o submarino implodiu e todos que estavam dentro morreram.
GUILHERME: Falam muito isso, por conta das pessoas que morreram no submarino na expedição pro Titanic.
FRANCISCO: Teve os caras que morreram no submarino, aí é tipo “Foi de submarino” seria “se ferrou”.
MARIANA: Por causa do negócio lá do submarino que foi lá ver o Titanic com os caras ricos.
FOI DE WAKANDA FOREVER
LUCAS: Esse termo que dizem é para fazer um “meme” da morte do ator do [filme] “Pantera Negra”.
VINICIUS: Essa eu não faço ideia de onde veio.
EDUARDO: É utilizado como termo para “morreu” pois o ator Chadwick Boseman, que interpretava o Pantera Negra, acabou falecendo.
GUILHERME: É porque o ator do “Pantera Negra” morreu.
FRANCISCO: O ator que interpreta o “Pantera Negra” morre, aí o “forever” não é mais tão para sempre.
MARIANA: Wakanda Forever é o do filme do Pantera Negra, mas no geral significa que a pessoa morreu.
FOI DE VASCO
LUCAS: É um termo que dizem para zoar o time Vasco da Gama, que está morto.
VINICIUS: Palavra que indica que alguém morreu ou desapareceu, ou algo do tipo. Essa palavra tem a origem de dizer que o time do Vasco é morto.
EDUARDO: É porque é um time que há anos está morto, afundado.
GUILHERME: Porque é um time que anda afundado.
FRANCISCO: O Vasco é um time ruim, e o Vasco não ganha porra nenhuma, aí “Ir de Vasco” seria se dar mal ou ser esquecido.
MARIANA: Rolou alguma coisa ali que estava o time do Vasco no avião, o avião caiu, eles morreram, e é isso.
O Folhateen conversou com Bernardo Tanis, doutor em psicologia clínica e membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo para entender se tirar onda da morte nas redes sociais, com expressões como essas, é sinal de desrespeito ou insensibilidade.
Por que você acha que essas expressões foram criadas?
Elas são uma forma de se proteger, de se blindar, de alguma forma bancar uma certa indiferença frente a alguma coisa que ameaça. Sendo que o que ameaça o adolescente não é a morte em si mesma, mas sim as questões da própria identidade, de quem que eu sou, se as pessoas vão gostar de mim, se não vão gostar de mim, se eu vou ser bacana, se eu não vou ser bacana. E a morte é uma espécie, paradoxalmente, de metáfora dessas questões identitárias na adolescência.
Então, para não entrar em contato com tudo isso, aparecem essas expressões como uma forma até de uma certa arrogância, de uma certa indiferença, de uma certa ironia, como uma forma de proteção. Eles usam essas expressões como uma forma de brincar, de ignorar, de fazer uma espécie de chacota da morte e de tirar um sarro dela.
Fazer piada com a morte é sinal de desrespeito?
Não vejo como um desrespeito ou como uma questão moral. O humor sempre foi uma forma de lidar com coisas que angustiam as pessoas. A morte é algo da ordem do inevitável, que a gente não vai conseguir nunca evitar. Em algum momento, todos vamos morrer. Isso entra em choque com a onipotência adolescente, de se sustentar na ilusão de que pode tudo, pode viver os riscos, os grandes desafios, e nada de muito terrível vai acontecer. Então, em parte, utilizar essas expressões não é um sinal de desrespeito, mas sim um sinal de onipotência, de brincar, de se manter distante de algo que ameaça muito.
Tem adulto que diz que os adolescentes são insensíveis. O que você pensa disso?
Se a gente pensa no sofrimento adolescente, no número de suicídios na adolescência, se a gente pensa no bullying, nas outras experiências que o adolescente vive, a gente vê que os adolescentes não são insensíveis à dor e ao sofrimento. Pelo contrário, eles estão muito, muito ligados em tudo isso. A questão da identidade, de quem que eles são, está tão forte, tão marcada para eles, que através da brincadeira eles se distanciam de entrar em contato com a dor.
Você acha que temas mais sérios são tratados com menos seriedade nas redes sociais?
Eu acho que em parte sim. Nas redes sociais, as pessoas se preocupam muito com a imagem e com a imagem que vão passar. Tem muitos que sentem que têm que passar uma imagem de que são invulneráveis, que não se comovem com qualquer coisa, que estão por cima da carne seca. E outros que veem uma possibilidade de se identificar com o sofrimento. Então, não se pode generalizar.
A gente vê através disso o mundo dos extremos em que os adolescentes vivem. Por um lado, isso de dizer “Eu sou o máximo e brinco com tudo e nada me atinge”. Por outro lado, “Eu sou vulnerável, posso ficar triste, posso ser destruído, posso ficar acabado”. É um paradoxo.
Antigamente se usava expressões como “bater as botas” para indicar que alguém tinha morrido. Tem alguma diferença no jeito com que as gerações lidam com as coisas sérias?
O tempo em que vivemos tem uma certa quebra de valores. Há uma ideia do vale-tudo, de diminuir o peso de certas autoridades, normas morais, tradições, rituais. A morte, em alguns aspectos, é muito banalizada quando não é muito próxima da gente. Mas não é só a morte que é banalizada: a miséria é banalizada, a dor, o sofrimento, muitas coisas são banalizadas. Então, esse tipo de expressão, ao mesmo tempo em que é uma expressão de brincadeira, também é uma expressão de uma certa banalização.
(Marcella Franco – Folhapress)
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Fonte: Paraíba Online