Revista NORDESTE aponta como José Américo de Almeida, a “Paraíba e seus problemas” se refletem 100 anos depois 

 

A Revista NORDESTE insiste em acompanhar os muitos cenários dos 9 estados com abrangência conjuntural permanente para contribuir na nova fase brasileira buscando resolver de vez muitos dos históricos problemas socioeconômicos.

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Neste texto a seguir o renomado economista paraibano Marcos Formiga de titulação acadêmica reconhecida apresenta uma avaliação da realidade contemporânea do estado representando a obra marcante do escritor José Américo de Almeida –  “A Paraíba  e Seus  Problemas” trazendo para cena atual muitos desafios. Ele cita alguns paraibanos ilustres, a exemplo de Epitácio Pessoa, Celso Furtado, Lynaldo Cavalcanti e Silvio Meira nesta contribuição histórica na direção do futuro.

 

 

Eis a análise a seguir:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Por Marcos Formiga

 

REGIONAL E UNIVERSAL

 

José Américo de Almeida (1887-1980) já participava da vida literária paraibana desde à época como acadêmico de Direito. Em 1907, junto com Simão Patrício e Eduardo Medeiros, editou o Correio da Serra em sua cidade natal (Areia). Sua presença na imprensa se vez no jornal A União com seus poemas e artigos, atividades anteriores aos seus primeiros livros.

 

Em 1922, publica sua primeira obra, Reflexões de uma Cabra. Trata-se de um seriado veiculado na revista A Novela, editada por Ademar Vital e Antenor Navarro1. A propósito, no número 180 de janeiro de 2022, da revista Nordeste, publicamos um breve ensaio sobre a obra pioneira de José Américo ao complementar seu primeiro século, sob o subtítulo: Primeira fábula nordestina?.

 

Em 2023, uma nova data centenária revive a monumental obra do autor e político paraibano. Por certo, ao longo de sete décadas de atividade literária, a sua segunda obra, A Paraíba e seus Problemas marcaria em definitivo sua participação no cenário intelectual da então Região Norte, como se chamava o atual e definitivo Nordeste brasileiro. Embora o próprio autor a considere sua principal obra, ele só se consagrará como escritor nacional com seu terceiro livro, A Bagaceira, lançado em 1928, marco primordial do romance regional brasileiro e, com ele, se inicia o pródigo ciclo de romance nordestino que faz surgir uma plêiade de autores e obras clássicas sobre o seu povo e sua terra.

 

 

Da matriz de A Paraíba e seus problemas, surgem Raquel de Queiroz (O Quinze, 1930), Gilberto Freyre (Casa Grande e Senzala, 1933), José Lins do Rego (Menino de Engenho, 1933), Graciliano Ramos (Vidas Secas, 1937), Jorge Amado (Capitães de Areia, 1937), Josué de Castro (Geografia da Fome, 1937).

 

Ítalo Calvino (1923-1985), escritor italiano, autor de Por que ler os clássicos (1981), explica o que considera: “Clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer”; ou seja, permanece sempre novo. Reflete os valores de seu tempo, ultrapassa a época em que foi escrito, e, por isso, é sempre atual, não tem prazo de validade. O pensamento de Calvino se aplica com perfeição ao encontrado em A Paraíba e seus problemas. José Américo de Almeida escreveu um clássico, mais do que isso, escreveu dois, pois A bagaceira, tal qual A Paraíba e seu problemas, também se tornou um clássico a partir de 1928.

 

Em abril de 2022, a Folha de São Paulo, em parceria com a associação literária Portugal-Brasil

200 anos,  para  o  projeto República,  após  consultar  169 intelectuais  de  língua  portuguesa, publicou 200 anos, 200 livros, considerados importantes para entender e explicar o Brasil. O termo ranking2, anglicismo de uso geral no Brasil, que significa uma listagem ou classificação, é um processo de posicionamento de determinados itens, pessoas, livros, filmes ou marcas de um produto de consumo (top of mind) em escala ordinal, geralmente do primeiro colocado ao último, de acordo com os critérios determinados.

 

A despeito da importância dessa iniciativa, expõem-se provincianismo e bairrismo próprios a tais eventos, a visão centro-sudestina predominante no Brasil. Nada inédito, replica-se a seletividade exibida na Semana de Arte Moderna de 1922, realizada na capital paulista, evento para o qual escritores e autores nordestinos não foram convidados. Parece incrível que no ranking da Folha de São Paulo, A Bagaceira não consta. Como se justifica a ausência desta obra clássica que delimita um novo e determinante ciclo literário brasileiro?

 

O autor José Américo não é apenas um escritor definitivo, ele lidera um movimento intelectual que fez escola e influencia seguidores a formar o mais pródigo período da literatura nacional, livre de estrangeirismo, quando estabelece um novo estilo para interpretar a realidade nacional ao estudar e analisar a população que vive no interior do País, afirmando-se assim a brasilidade cotidiana escrita na própria região.

 

No bicentenário de independência do Brasil, tão mal relembrado, algumas iniciativas regionais e estaduais merecem destaque: a CEPE editora lançou a coleção Pernambuco na Independência

18082022, com 10 livros sobre a emancipação do País, que vai além das ações de personagens do centro do poder imperial, e tem raízes em inúmeras lutas ocorridas em várias províncias, principalmente na Região Norte. A Paraíba também fez sua parte, o IHGP e a empresa paraibana de comunicação lançaram a revista A Paraíba nos 200 anos da Independência do Brasil, além de seminário sobre a construção da nacionalidade na Paraíba e no Brasil, na perspectiva da nova história,  dando  visibilidade  aos  verdadeiros  atores  sociais  que  são  os  índios  e  os  negros escravizados.

Novamente, a Revista Nordeste, em diferentes edições durante o ano de 2022, referenciou o bicentenário ainda em curso. Nas edições de março e maio, fizemos uma análise da evolução do sistema de Ciência e Tecnologia no Brasil, na visão dos visitantes estrangeiros e primeiros cientista nacionais3.

 

Motivados pelo legado de José Americo, em novembro de 2021, as três entidades líderes da cultura paraibana: Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba, Academia Paraibana de Letras e a Fundação Casa de José Américo instituíram um grupo de trabalho para elaborar uma programação do centenário da publicação em foco, com o objetivo de melhor divulgar a obra e refletir prospectivas para o Estado nos próximos 100 anos. Nesse sentido, e contando com o apoio do Senado Federal, será reeditada a 5ª edição da obra (atualmente esgotada) e sua fortuna crítica, ambas a cargo da gráfica do Senado; além de lançar uma série de publicações alusivas à data.

 

 

 

 

 

1)  PRIMO INTERPARES

 

A obra A Paraíba e seus problemas é um marco sobre a terra e o homem paraibano. Pela sua profundidade e abordagem, assume a descrição completa do povo e meio fisiográfico de toda região Nordeste. O Nordeste, ainda sem essa denominação, desperta a atenção do restante do Brasil por sua especificidade climática e convivência permanente com a seca em sua porção semiárida dominante de mais de um milhão de quilômetros quadrados, das quais dois terços de sua área é ocupada pela extensa Caatinga, que prevalece desde o extremo litoral norte da região (Piauí, Ceará e Rio Grande do Norte) até a fronteira sul do Estado da Bahia com Minas Gerais.

 

A imensa região surge na literatura nacional com mais intensidade no limiar do século XX. O dramático relato sobre o movimento político-religioso liderado pelo místico Antônio Conselheiro no sertão da Bahia foi violentamente combatido pelo recém-instalado regime militar republicano, no decorrer da última década do século XIX. Combate os insurrectos de forma aniquiladora, pois ameaçavam o domínio centralizado da monarquia e supercentralizado pela concepção militarista da república nascente. Euclides da Cunha registrou em 1901, no clássico Os Sertões, toda barbaridade assumida pelo governo central contra um agrupamento de pessoas humildes, fanáticos-religiosos que, na falta de políticas públicas de inclusão social, defendia sua autogestão em sociedade primitiva.

 

No início da década de 1930, outra grande obra irá descrever um outro Nordeste à realidade descrita por Euclides. Agora, volta-se para a parte mais oriental da região, ou seja, a faixa verde litorânea conhecida como “Zona da Mata”, onde predomina a Mata Atlântica, que se estende do litoral da cidade de Natal/RN ao extremo sul do País, incluindo as várzeas e rios permanentes, ou semipermanentes, que fluem no sentido interior para o litoral atlântico. A chamada “civilização do açúcar” é o centro de análise feita por Gilberto Freyre em Casa Grande e Senzala.

 

 

Desse modo, no intervalo de 3 décadas, o nordeste brasileiro foi exemplarmente retratado e descrito de forma complementar entre seu interior sertanejo e sua faixa litorânea com diferentes regimes climáticos e pluviométricos e populações semelhantes a partir da miscigenação de povos indígenas, negros e europeus. Entre a presença de Euclides da Cunha com Os Sertões e uma espécie de póstero à Casa Grande de Gilberto, surge, em dimensão propositiva semelhante e não menos fundamental, A Paraíba e seus problemas, de José Américo de Almeida, o mais compreensivo e denso tratado sobre um Estado brasileiro. Passados 100 anos, experiência jamais foi replicada em nosso País de escassa tradição sobre estudos de suas unidades federativas.

 

 

 

CONCEPÇÃO E ESTRUTURA DA OBRA

 

A monumental obra foi concebida a partir da aguda observação participante de seu autor, com capacidade analítica desenvolvida sobre os parcos recursos bibliográficos e documentais disponíveis como fontes primárias, sobretudo do profundo conhecimento da realidade paraibana e nordestina. José Américo deteve-se em interpretar o homem e o meio paraibanos e sua frágil infraestrutura de uma economia rudimentar, exageradamente prisioneira de uma agricultura de subsistência e pecuária extensiva, desprovidas de atividades de transformação e serviços públicos de qualidade. Além disso, um comércio incipiente e dependente das exportações, inicialmente extrativistas como pau-brasil e seguidas pela cana-de-açúcar beneficiada em pequenos engenhos, e mais tarde da atividade pecuária de rebanhos caprinos e bovinos e agricultura centrada no algodão.

 

Diferentemente de outras capitais nordestinas, a cidade de Parahyba, como capital da província e depois do Estado, não dispunha de um porto marítimo. A cidade se desenvolveu às margens dos afluentes do rio Paraíba do Norte, estabelecendo-se assim um regime permanente de dependência econômica permanente do Estado vizinho de Pernambuco. De certa maneira, eternizando a antiga prevalência político-administrativa da capitania de Itamaracá, subjugada pela próspera capitania de Pernambuco, exemplarmente administrada por Duarte Coelho e seus herdeiros. A concepção de uma ocupação colonial portuguesa efetiva na Paraíba inexistiu durante o século XVI. Somente em 1585, sob o regime espanhol, funda-se a cidade de Filipeia, que se tornará Frederica sob o regime holandês e retorna à denominação da própria capitania ainda sob gestão da capitania de Pernambuco até o fim do século XVII.

 

Na instabilidade política da capitania que atravessa os três primeiros séculos de domínio europeu (português, espanhol, holandês e novamente português), a província estagnada e sempre dependente se arrasta até o fim do século XIX, com a chegada da família imperial portuguesa. A Paraíba só se tornará mais visível ao aderir aos seguidos movimentos nativistas quase sempre liderados por Pernambuco, sobretudo os significativos e pioneiros em prol da independência politica e da criação de uma república livre. A revolução de 1817 e a Confederação do Equador, em 1824, são evidências de que existe uma pequena população capaz de pensar e discordar da forma obtusa como a província era gerida por Portugal e, em seguida, pela família imperial portuguesa. Afora, a instabilidade seguida ao longo do século XIX, repetiam-se as frequentes e sazonais secas com deslocamento de populações famintas do sertão para a região serrana.

 

Os quatro primeiros capítulos apresentam a terra, o meio ambiente (climas e secas) e o abandono secular ao qual foram submetidos seus habitantes pelos exploradores e interessados apenas em retirar da natureza a diversidade de suas riquezas. O capítulo terceiro (Martírio) descreve com realismo uma visão bíblica e dantesca da seca, a mais pungente interpretação sobre o fenômeno climático, com tamanho sentimento de revolta e denúncia. Ao nosso critério, todo nordestino deveria ler esse capítulo para conhecer a síntese perfeita e completa sobre a seca que atinge o ser humano e todos os seres vivos da imensa região semiárida.

 

Os capítulos 5 e 6 são mais personalistas ao centrarem na descrição do presidente Epitácio Pessoa (1865-1942), primeiro nordestino eleito para a função máxima do País, homenageado por essa obra. Seu mandato significa um intervalo do combalido sistema viciado de rodízio entre os estados poderosos de São Paulo e Minas Gerais, explicitado na famigerada expressão “Política do Café com Leite”, e que se estenderá até 1930, com a vitória da revolução popular liderada por Getúlio Vargas (1882-1954) e deflagrada pelo crime político que culminou no assassinato do então governador da Paraíba, João Pessoa (1878-1930), candidato a vice-presidente na chapa de Getúlio.

 

O Presidente Epitácio, além da origem distinta do eixo dominante da politica nacional, apresentou um programa de governo que priorizava o nordeste brasileiro – radical diferença na vigência de república oligárquica. O combate à seca e à politica de armazenamento da água em grandes barragens, para fazer frente aos extremos climáticos no bioma caatinga, punha em perigo permanente a sobrevivência da população e comprometia todo o sistema produtivo baseado na agricultura e pecuária rudimentares.

 

O bloco dos capítulos 7 a 10 expõe o conjunto limitante de setores básicos que inibem e impossibilitam o progresso do Estado. O abandono já descrito reafirma a ausência ou precariedade da integração para vencer as distâncias, ou seja, inexistência de estradas de ferro, rodovias e falta generalizada de meios de transporte e comunicação. Estados litorâneos como todos que compõem a região Nordeste, a Paraíba dependia exageradamente do porto do Recife para comercializar seus produtos primários. Aqui se apresenta o paradoxo injustificável entre construir um porto fluvial em sua capital ou um porto marítimo em Cabedelo. O atraso e a mentalidade subdesenvolvida afloram dentro da sociedade dominante, composta por grandes proprietários  rurais, os  quais,  muitas vezes, compunham o quadro de  seus  representantes políticos. A disputa política comprometia a solução técnica a ser adotada. Governadores, presidente da República e intelectuais, inclusive o próprio autor, divergiam. A população, diretamente prejudicada pela ausência de um porto, arcava com o alto custo social e econômico da irracional disputa.

 

Outra contradição exposta é a ausência de infraestrutura e incapacidade do setor público de enxergar e intervir no sentido de atenuar ou resolver os problemas de seu povo. Revela-se um Estado desintegrado na vigência de frágeis ideias econômicas sem conexão com a estrutura disforme, a tal ponto de, em determinadas regiões, serem polarizadas por outros estados. Exemplo: a Zona da Mata, de economia de base açucareira, estava conectada ao Recife e seu porto. Inclusive, a primeira estrada de ferro ligará a cidade de Campina Grande, então maior centro urbano, à capital pernambucana. A primeira ferrovia de construção inglesa desperdiçava escassos recursos em trajetos que não obedeciam ao trajeto técnico. O alto sertão do Piranhas

 

se integrará melhor ao Estado do Ceará, pela Rede Ferroviária Cearense, e mais tarde a Mossoró/RN, como porto de saída de seus produtos. A região sudoeste de Princesa se caracteriza como uma cidade pernambucana pela ligação com as cidades do vale do Pajeú. Enquanto isso, a maior parte do território paraibano dependia das tropas de burro e da morosidade do carro de boi.

 

Grande importância recebeu a “solução hidráulica”, opção polêmica de caráter permanente, reavivada nas últimas décadas pelo projeto de transposição do rio São Francisco. O autor faz um retrospecto das diferentes soluções em diferentes países desde a pré-história sobre irrigação. Critica, com razão, a indecisão governamental para solucionar o problema da sobrevivência da população nordestina, afora a falta de urgência e a descontinuidade das políticas públicas. Ameniza o problema nordestino ao diferenciar da aridez do deserto: aqui, trata-se de inconstância das chuvas e de sua distribuição irregular concentrada em média em 3 meses do ano, que o sertanejo denomina de “inverno” (primeiros meses do ano). Estabelece uma correlação entre água e saneamento como fundamentais à saúde e à higiene da população. Descreve as condições sanitárias vigentes no Brasil, na região, e na Paraíba, que carreava as águas pluviais para a lagoa do centro da cidade, e os esgotos domésticos para o varadouro da cidade baixa da capital, mesmo com as condições climáticas e meio físico favoráveis às funções vitais e propicias à vida.

 

A qualidade analítica da obra ressalta as consequências sociais e econômicas das condições drásticas da população como a análise socioantropoetimológica, com ênfase na interpretação sociológica dos tipos humanos e físicos que compõem o povo paraibano e, por extensão, toda população nordestina.

 

Ideias contidas nesse capítulo parecem antecipar de forma sucinta aquilo que Gilberto Freyre trataria 10 anos mais tarde no clássico Casa Grande e Senzala. O caldeamento das três raças vai gerar tipos: mameluco, cafuzo, mulato, mestiço, caboclo, sertanejo, brejeiro, jangadeiro etc., todos com índole trabalhadora, honesta e solidária, a despeito do analfabetismo quase total da população, comprovando-se o descuido histórico com a educação básica. Atribui-se o problema social, ao nosso ver, de forma não devidamente correta, às crises climáticas. Quando, na verdade, as condições de vida revelavam o grau de ignorância da maioria da população sem nenhuma instrução e uma inexistência de condições básicas de saúde e higiene.

 

O conteúdo exposto em Consequências Econômicas é denso e o mais extenso (capítulo 13). O esforço do tratamento da economia paraibana em tempo de pouco domínio da Ciência Econômica quando não existiam cursos de graduação em economia no Brasil até 1946. Merece destaque o esforço de José Américo que, contando com limitados recursos estatísticos e contábeis, elaborou uma espécie de formação econômica da Paraíba, ao pormenorizar os seus principais produtos: cana-de-açúcar, gado e seus subprodutos, e algodão. Além do argumento geral dos efeitos das secas como um problema também econômico.

 

Identifica as características limitadas do sistema econômico vigente: ausência de crédito e de financiamento à produção rural, ausência de cooperativas  e movimentos cooperativos, e a inexistência de transportes e meios de comunicação, prejudicando a comercialização. Em meio ao quadro de limitação extrema e escassez de recursos, sobressaía o único recurso disponível: a

 

natureza com a fertilidade da terra em todos os quadrantes do Estado. Persistia a limitação máxima que comprometia todos os setores, ou seja, a falta de instrução pública e o desconhecimento da aplicação da Ciência e da Tecnologia ao sistema produtivo.

 

Nesse cenário, explora e reverencia as diferentes teorias econômicas vigentes para argumentar o papel fundamental do Estado (União) na liderança do processo econômico. José Américo defende a coparticipação sem intervencionismo ou socialismo de Estado. Discorda do liberalismo de  Adam  Smith,  ao  tomar  partido  por  uma  economia  mista  com a  participação ativa  dos empresários privados. De certa forma pioneira, se revela favorável ao keynesianismo, embora o pensamento de Keynes só seria divulgado em meados da década seguinte (1930).

 

O capítulo 14 (final) é um tanto confuso ou pouco claro, algo como anteato ou presságio de uma possível interrupção de Epitácio Pessoa para o Nordeste, que veio a se confirmar tão logo concluiu seu mandato presidencial em 15 de novembro de 1922, quando ainda foi possível incluir um apêndice (tendo em vista o livro ter sido publicado em final de 1923), concessão do autor ao então ex-presidente, no qual redigiu uma réplica ao parecer da Comissão Rondon, a pedido do próprio Epitácio, que examinara as obras em curso. Ele expõe com raciocínio lógico e embasado em experiências internacionais sobre a capacidade de irrigação das barragens. Constata, ainda, que os dados fornecidos à Comissão Rondon não eram oficiais, e sim repassados por subalternos. Ao reconhecer o trabalho da Comissão, rejeita algumas recomendações referentes às discordâncias a seu plano de obras executadas no Nordeste.

 

A discordância, de certa forma, reflete a prática e mentalidade vigentes no serviço público que se ressente do compromisso institucional do sentido de urgência. Por vezes, inação, por vezes simples descontinuidade. Epitácio Pessoa tentou contrariar essa maléfica prática.

 

 

 

REFLEXÃO PROSPECTIVA

 

A Paraíba, agora e no futuro próximo, se ressente da resolução de seus problemas crônicos. O conteúdo de A Paraíba…, em vários aspectos, ainda continua atual ao completar um século. O Estado da Paraíba ainda não solucionou problemas socioeconômicos fundamentais como a educação pública de qualidade. Neste particular, a Paraíba replica sem criatividade o padrão da pirâmide invertida, haja vista o Estado dispor de três universidades públicas nas diversas sub- regiões, com número razoável de institutos federais de tecnologia e unidades de diferentes universidades privadas de outros estados, além de centros universitários e faculdades isoladas. Constata-se um esforço louvável de expansão da educação superior, mas tal esforço não justifica, nem dispensa a responsabilidade maior a ser dedicada à educação básica, na qual predomina a desigualdade, a despeito de evolução recente.

 

Convive-se com baixos indicadores de qualidade na aprendizagem de suas crianças e jovens, apresenta um contingente de analfabetos adultos e ainda maior de analfabetos funcionais. Para além das dificuldades de letramento e numeração (aritmética), acrescentam-se os novos tipos de analfabetismo digital e acesso restrito à internet, implicando em baixo rendimento escolar, sobretudo no extrato majoritário de crianças e jovens excluídos da escola. Problemas de universalização incompleta; permanência na escola; evasão; defasagem idade-série, além das

 

gritantes limitações da aprendizagem e do acesso a todos os tipos modernos e tecnológicos de ensino e aprendizagem. Registre-se ainda que, no ensino médio, apenas um terço dos alunos consegue concluí-lo no tempo adequado.

 

José Américo é responsável, quando governador do Estado, pela criação da primeira universidade em 1956, que será federalizada em 1960. A partir dos anos 60 do século passado, sobressai o trabalho dinâmico e inovador do engenheiro campinense Lynaldo Cavalcante de Albuquerque (1922-2011), que fez da Paraíba sede de duas grandes universidades federais com dimensão pioneira em distribuição multicampi em todo o Estado. Reedita seu sucesso como reitor ao assumir a presidência do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), quando implementou o Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia.

 

Tal qual José Américo, ex-aluno do famoso Liceu Paraibano, Celso Furtado se tornará o economista autor da teoria do desenvolvimento do complexo processo de subdesenvolvimento

–  fenômeno  comum  aos  países  latino-americanos  e,  por  extensão,  ao  chamado  “terceiro

mundo”. Teve oportunidade de pôr em prática uma política econômica e social de desenvolvimento regional no Nordeste. Abandonando a “solução hidráulica” de pífios resultados, ao adotar uma nova concepção assertiva de política de convivência com a seca, e não mais a equivocada “contra a seca”, praticada desde o império e acentuada pela República Oligárquica (1889 a 1930). A liderança e o acerto posto em prática por Celso Furtado na SUDENE foram possíveis até o golpe militar de 1964. Esta experiência foi considerada, por analistas internacionais, a mais bem sucedida em nível mundial sobre desenvolvimento regional.

 

Impedido em seus direitos políticos, deixa o Brasil em 1964. Na universidade Sorbonne, em Paris, intensifica sua produção cientifica e intelectual e passa a ser reconhecido também como cientista social completo, atuante, em escala internacional.

 

De certa forma, a Paraíba resolveu alguns problemas e outros tantos apareceram. O Estado tinha uma população de 1 milhão de habitantes quando da publicação do livro agora centenário. O IBGE projeta para 2023 uma população de 4 milhões de habitantes, portanto, José Américo descreveu uma realidade com um quarto da população atual.

 

O ano de 2023 que se inicia é motivo para reler e discutir A Paraíba e seus problemas e se concentrar em viabilizar um presente com desenvolvimento real e futuro promissor. O desafio de atender a atual população torna-se mais complexo e dispensa a repetição de diagnósticos inócuos tão a gosto dos governantes de plantão. A realidade está posta e bem conhecida. Não há mais tempo a esperar: exige-se ação conjugada nos diversos níveis de governo (federal, estadual e municipal) com a ativa participação da sociedade e seus agentes econômicos, para elevar a qualidade de vida e se comprometer em alcançar indicadores de desenvolvimento humano à altura dos desafios e oportunidades: educação básica de qualidade, saúde pública (saneamento – água tratada canalizada, coleta e destinação de esgotos sanitários e efluentes), garantia de segurança alimentar, erradicação da habitação subnormal, transporte público e segurança pública, além do combate à violência e desarmamento da população.

 

Pelo lado econômico, adensar a produção industrial (16% do PIB estadual), incentivar o desenvolvimento rural (4,5% do PIB) e substituir gradativamente os serviços de baixa qualidade (79,5%). Faz-se necessário intensificar sua economia e diversificar o predomínio exagerado do

 

setor serviços. Entre 1985 (quarto centenário da Paraíba) e 2022 (bicentenário da independência), o intervalo de quase 40 anos de participação do Estado na economia nacional apresentou modesta variação positiva de 0,5% para 0,87% do PIB brasileiro em 2018. Ou seja, nesse tempo não foi possível se chegar a um nível mínimo de 1,0%. Convive-se em relativa estagnação econômica, também observada no período para o País como um todo. Implica, entretanto, fazer um superesforço concentrado de mudança do paradigma de seu desenvolvimento socioeconômico, uma vez que a Paraíba perdeu posição relativa a seus pares da região Nordeste, necessitando turbinar o ritmo para diminuir a distância que o separa dos demais estados. Em 2022, a economia paraibana ocupa a 18ª posição entre as 27 unidades da federação, e 6ª no Nordeste.

 

Valorizar cada vez mais a importância da aprendizagem como construção contínua, coletiva e reformada em uma sociedade coesa, democrática e cidadã. Fazer o que nunca foi feito: universalizar a educação infantil, período inicial de cuidados e socialização da infância que antecedem a educação fundamental. Não há solução para o problema social do Brasil, do Nordeste e da Paraíba sem educação. Do governo federal, dos governos estaduais e municipais, exige-se recorrer e reconhecer o papel do conhecimento como única alternativa plausível para substituir as soluções tradicionais e fracassadas, pautadas em padrões predominantemente econômicos. Claro que com indispensáveis recursos financeiros, mas o foco central é, e deverá ser, o social. A frágil e infante DEMOCRACIA brasileira, sob gestão pública, obedece à hegemonia do componente econômico, o que tem impedido a solução do megaproblema social. Há de se inverter essa equivocada prioridade. A razão de ser ordena que o social sobrepuja o econômico ou uma calibragem entre a supremacia social com a colaboração do econômico.

 

A Paraíba necessita urgentemente fazer sua graduação, espécie de verdadeira revolução cultural, para combater o excesso de burocracia que domina o Estado e seus municípios, e está entranhada na vida cotidiana das cidades, das instituições, das famílias e dos indivíduos. Aumentar gradativamente seus índices de produtividade em todos os setores, em especial, no exacerbado setor serviços. Ao se retificar a produtividade, este conceito delimita e abrange todos os setores da economia (indústria, comércio, atividades agrícolas e rurais). Com melhor qualificação das pessoas em cursos técnicos informais e de curta duração, se possível mudar o perfil do trabalhador paraibano e proporcionar maiores habilidades produtivas que resultarão em crescente empregabilidade, renda, empreendedorismo, maior chance de ocupação em trabalhos ou tarefas com remuneração mais elevada. É possível uma sociedade em desenvolvimento fazer grandes saltos de qualificação na linha de treinamento e aprendizagem permanente e continuada, independentemente de cursos formais e acadêmicos que demandam mais tempo. O Estado deve incentivar as instituições públicas e privadas a se tornarem mais competitivas para disputar o escasso capital financeiro; e, simultaneamente, mais cooperativas para desenvolver o “Estado de bem-estar social”, em favor de seus habitantes, ao disponibilizar serviços públicos em quantidade e qualidade.

 

Atualmente, registra-se a presença, em caráter permanente, do protagonismo da mulher no mundo do trabalho moderno, expandindo suas responsabilidades domésticas de sempre, agora compartilhadas com atividades profissionais fora de casa.

 

A mulher, em sua trajetória nos últimos séculos, conquistou crescente emancipação, enfrentando as amarras impostas pela sociedade conservadora, até recentemente dominada pelos homens. Desde a primeira Revolução Industrial na Europa, participa do processo produtivo como operárias, sucedendo a longa experiência histórica de tarefas rurais como camponesas, em sociedades de submissão e predominância agropecuária

 

A participação da força de trabalho feminina na organização socioeconômica permitiu reivindicar, e somente com muita luta, obter o direito de votar e ser votada, conquistando sua cidadania na primeira metade do século 20. Embora persistam, em vários enclaves territoriais, condições de inferioridade feminina e vigência de rígidos costumes e supremacia masculina.

 

Na segunda metade do século passado, graças aos avanços da ciência que resultaram na pílula anticoncepcional, a partir daí, a mulher pôde controlar seu processo reprodutivo.

 

O Brasil se alinhou simultaneamente a todos esses avanços. E foi além: elas se constituem maioria da população, lideram funções empreendedoras e superam em quantidade os homens em todos os níveis de educação formal.

 

Falta ainda vencer o último bastião na batalha em prol da igualdade salarial. Aqui persistem, injustificadamente, salários maiores para os homens, que também ocupam a maioria dos cargos de chefia em todos os setores e são mais bem remunerados em funções idênticas para ambos os gêneros.

 

O Estado, a empresa ou organização deveria funcionar tal qual uma agência eficiente de desenvolvimento e investimento, instrumentalizada por indicadores de desempenho intrínsecos de múltiplas responsabilidades, tais como: a) agilidade para decidir; b) velocidade para implementar; c) avaliação e monitoramento em tempo real; d) correções contínuas de rumo; e) ética, transparência e responsabilidade.

 

Na busca constante de aperfeiçoamento da gestão, um movimento de envergadura internacional lançado pela ONU na primeira década deste século já começa a ganhar espaço também no Brasil, resumido na sigla em inglês ESG (E de enviroment/sustentabilidade ambiental, S de social e G de Governança). É o reconhecimento definitivo de que as forças sociais devem liderar os modernos processos de gestão nos quais o ator principal, o ser humano, suas condições de vida digna e obtenção da felicidade importam mais do que o lucro financeiro do empreendedor, seja público ou privado. Daí o protagonismo da sustentabilidade, uma luta de vida ou morte, em tempos de mudanças climáticas extremas (a seca nordestina dentre elas) são fatores determinantes para a preservação e sobrevivência da biodiversidade no Planeta Terra. Agora, mais do que nunca, Governança compreendida como corresponsabilidade coletiva de governantes e governados ao compartilhar o poder e dividir os ônus e os bônus dos seus resultados.

 

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Chegado o momento de concluir este artigo/ensaio, numa perspectiva de inovação disruptiva, espécie de salto antecipatório no tempo e no espaço, procuramos evidenciar e revalorizar a cultura e a riqueza intelectual do Estado da Paraíba como compensação superavitária para nossa pequeneza econômica. Isso ao identificar uma breve mostra de uma galeria de paraibanos

 

ilustres de marcantes realizações, cinco personalidades de mentes diferenciadas e testadas na experiência da vida prática: Epitácio Pessoa (1865-1942), José Americo de Almeida (1887- 1980), Celso Furtado (1920-2004), Lynaldo Cavalcanti de Albuquerque (1933-2011). Os quatro já cumpriram suas missões e nos legaram exemplos a serem seguidos como atores de primeira grandeza na construção socioeconômica do Estado e da sociedade paraibana. Hoje, são História e Legenda.

 

O quinto personagem é uma liderança atual, futurista, de sólida formação científico-tecnológica, com atuação em setor de fronteira do conhecimento: Silvio Meira (1955-), cientista e empresário.

 

Em sua concepção, a Paraíba se inclui, assim como os demais entes federativos brasileiros, na categoria de Estado analógico-digitalizado, espécie de meio de caminho ou encruzilhada em busca de melhor opção: Quo vadis, Paraíba?

 

Para superar o impasse da enigmática encruzilhada, é preciso apressar o passo em ritmo veloz para alcançar o mundo FIGITAL.

 

Que mundo é esse? “Onde tudo são fluxos ou sequências de interação de propósitos demandados por estratégias claras e bem definidas”4.

 

Ele postou em 2 de Janeiro de 2023 o artigo: Começou o governo: cadê a estratégia?

 

Ao fazer inovativa e oportuna análise crítica, propõe uma transformação radical em toda sociedade brasileira por meio da testada e aprovada revolução educacional, científica e tecnológica. Aponta a gravidade constatada pela ausência de novas estratégias indispensáveis para mudar a nossa complexa realidade, fato que se repete à exaustão em todos os níveis de governo e de atividades: “Não adianta melhorar as coisas para um mundo analógico que não mais existe e não volta mais […]”. E acrescenta: “Estratégia compreendida como um processo de transformação de aspirações em capacidades, competências e recursos […]”5

 

Indiretamente, refere-se à cansativa tradição bacharelesca do País de substituir o fazer pelo dizer, pelo uso e abuso em discursos repetitivos e vazios de razão prática.

 

Vale sublinhar, e acrescento, discursos não resolvem problemas do povo. Os problemas reais da sociedade não se resumem a soluções setoriais, eles são complexos e de difícil resolução ao exigir ações multissetoriais e tratamento pluridisciplinar. Vão muito além das limitações de profissões rígidas e unidisciplinares. Expande-se o escopo para uma reengenharia social com necessária visão integrada.

 

Dentre as novas estratégias, elenca o caminho crítico para se chegar ao mundo FIGITAL de fluxos pela forte interação dos aspectos físico (espaço que responde e continuará a responder pelo analógico; social (pessoas e organizações e suas conexões) e digital (dimensão computacional, de comunicação e controle).

 

 

 

4 MEIRA, Silvio. O mundo é Figital. Disponível em: https:// bit.ly/3FEmMJ2. Acesso em: 9 jan./2023.

 

5 MEIRA, Silvio. Começou o governo: cadê a estratégia? Disponível em: https://silvio.meira.com/silvio/comecou-o- governo-cade-a-estrategia/. Acesso em: 9 jan./2023.

 

Portanto, a integração simultânea desses três aspectos potencializam o desempenho integralizado e requer complementaridade e realimentação.

 

Em síntese, neste reviver do Centenário da principal obra de José Américo de Almeida, quando dissecou com precisão cirúrgica os problemas paraibanos, que continuam, muitos deles, sem solução, realisticamente, e em tom de protesto e revolta, ele afirmou com propriedade:

 

Tudo estava por fazer.

 

Decorridos 100 Anos, poderíamos reiterar e acrescentar uma breve atualização: Quase tudo ainda está por fazer!

 

Brasília, 12 de janeiro de 2023.

 

 


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