Texto publicado originalmente no dia 24/10/2024.
“Você me abre seus braços, e a gente faz um país”. É esse verso que quero guardar em minha memória afetiva como lembrança de Antônio Cícero.
“Você me abre seus braços, e a gente faz um país” está em Fullgás, um dos grandes sucessos do pop brasileiro da década de 1980.
Fullgás tem 40 anos. É do álbum do mesmo nome lançado em 1984. A letra é de Antônio Cícero. A melodia, de Marina Lima, sua irmã.
“Você me abre seus braços, e a gente faz um país”. Acredito que só os contemporâneos de Fullgás, aqueles que ouviram a canção em 1984, entendem em sua inteireza o que há de belo e forte nesse verso tão simples quanto extraordinário.
No desfecho de uma canção de amor, um verso que tocava fundo no coração da gente que, àquela altura, testemunhava os estertores da ditadura brasileira.
“A gente faz um país”. Era com o que sonhávamos naquele ano de 1984. No título, havia o trocadilho de fugaz (que dura pouco) com full gás (cheio de gás). Fullgás, como está na capa do álbum de Marina, é um achado poético de Antônio Cícero.
Antônio Cícero morreu em Zurique, na Suíça, nesta quarta-feira, 23 de outubro de 2024. Tinha 79 anos, estava com Mal de Alzheimer e optou pela eutanásia, a morte assistida.
Antônio Cícero foi morrer onde a eutanásia é permitida por lei. Era um homem cultíssimo. Poeta, escritor, ensaísta, crítico literário, pensador, por muitos chamado de filósofo.
Antônio Cícero chegou à Academia Brasileira de Letras em 2017. Foi para a cadeira que era ocupada por Eduardo Portella, levando ares de renovação à ABL. Como Geraldo Eduardo Carneiro já o fizera em 2016. Como Gilberto Gil faria em 2022.
Antônio Cícero era um poeta, no sentido canônico da palavra, mas foi a atuação como letrista de música popular que o transformou de fato numa figura de dimensão nacional. Sobretudo por causa da sua parceria com Marina Lima.
Lembro de Antônio Cícero parceiro de Lulu Santos em O Último Romântico, de 1983: “Só falta reunir/A Zona Norte à Zona Sul/Iluminar a vida/Já que a morte cai do azul”.
“O Hotel Marina quando acende/Não é por nós dois/Nem lembra o nosso amor” é de Virgem, de 1987, um dos hits da parceria de Cícero com sua irmã.
Mais recente é Sem Medo Nem esperança, que Gal Costa gravou em 2015: “Eu viveria tantas mortes/E morreria tantas vidas/E nunca mais me queixaria/Nunca mais”.
Antes de chegar à Suiça para morrer, Antônio Cícero passou por Paris com Marcelo Pies, seu companheiro. Amava a cidade e quis se despedir dela.
Ao saber da morte, Caetano Veloso disse que Cícero foi seu melhor amigo e assim se expressou: “Morrer por decisão própria enfatiza seu pensamento. E sua poesia”.
“Espero ter vivido com dignidade e espero morrer com dignidade” – escreveu Antônio Cícero numa carta de adeus. Ele teve vida digna, e digna foi sua morte.
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Fonte: Jornal da Paraíba