A Reforma Tributária sobre o consumo entra em uma nova etapa de debates após ser aprovada pela Câmara dos Deputados. Vários trechos da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) aprovada em esforço concentrado pelos deputados, entre quinta e sexta-feira (6 e 7), vão exigir atenção durante a tramitação no Senado.
Depois, a reforma ainda vai demandar uma nova rodada de debates, quando chegar a hora de elaborar as leis complementares necessárias para a regulamentação das mudanças.
Nesta sexta, o relator da reforma na Câmara, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), disse que vai prestar apoio aos senadores na nova fase de apreciação do texto. O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que terá empenho na aprovação da proposta quando ela retornar para os deputados.
A Folha destaca alguns temas considerados sensíveis.
1. ‘LA GARANTIA SOY YO’ PARA CRÉDITO DO IMPOSTO
Com a reforma, o Brasil adota o IVA (Imposto de Valor Agregado), um tipo de tributo não-cumulativo. A empresa recolhe apenas o imposto referente ao seu produto ou serviço. Todo o tributo pago na aquisição de insumos, máquinas e equipamentos do negócio, bem como gastos com energia, telefonia e transporte viram créditos.
O contribuinte recebe o crédito correspondente ao imposto pago na etapa anterior para abater na seguinte.
O texto chegou a prever que o crédito seria liberado em até 60 dias, mas a versão final não define prazo ou sistemática. Os critérios serão definidos em lei complementar.
Alguns tributaristas acreditam que o reconhecimento do crédito seria automático. Outros acreditam que o fundo que vai gerenciar os recursos de estados e municípios na transição para o IVA será uma garantia para reconhecimento dos créditos nesses entes. No caso da União, o futuro tratamento é uma incógnita.
O Brasil tem um longo histórico de brigas judiciais entre empresas e órgãos de arrecadação por causa da demora na liberação desse tipo de crédito ou até pelo não-reconhecimento do direito a recebê-lo. Nesse ambiente, a indefinição é considerada um item sensível pelos especialistas.
“É um problema grave”, afirma o advogado Luiz Gustavo Bichara, que atua há mais de 25 anos em assessoria jurídica na área tributária e convive com esse problema.
“Se não houver uma sanção expressamente prevista em lei, a previsão normativa será inútil. O mesmo problema de não-devolução dos créditos, que já ocorre hoje, poderá continuar ocorrendo.”
2. QUEBRA-CABEÇA PARA DEFINIR DESTINO
Outra mudança estrutural que vai dar trabalho é definir o local de recolhimento do imposto sobre consumo, ou, como se diz no jargão tributário, onde ocorre o “fato gerador” da tributação dos IVAs.
O modelo brasileiro prevê que o imposto fica para o ente da federação onde está a sede da empresa que fornece o produto ou o serviço. A reforma transfere o recolhimento para o destino, onde o bem ou serviço é consumido.
Nas transações físicas não há dúvida sobre o que é destino. Se um carro é produzido em São Paulo e vendido em Sergipe, o imposto passa a ser recolhido no estado nordestino. Mas em um mundo interligado pela internet e com inúmeras transações virtuais, a discussão sobre o tema se torna mais elaborada.
O que é destino para efeito de tributação de passagem para uma viagem de ônibus que começa em Salvador, na Bahia, termina em Fortaleza, no Ceará, mas o passageiro desce na cidade de Recife, em Pernambuco?
Com fica o tributo de uma cadeira comprada pela internet em Brasília por uma pessoa com agência bancária e emissão do cartão de crédito em São Paulo, mas que será entregue em Belo Horizonte, Minas Gerais?
O cofundador e diretor do CCiF (Centro de Cidadania Fiscal), Eurico de Santi, diz que a entidade produziu uma nota técnica sobre o tema e espera que ela possa ajudar na regulamentação da norma.
O trabalho defende o prazo de até 60 dias para liberação do crédito e traz sugestões para definir o local da cobrança. O detalhamento consegue, por exemplo, responder às dúvidas acima.
No caso da viagem, argumenta que é melhor considerar o local da partida para a cobrança do tributo, uma vez que não é possível garantir onde o passageiro vai descer. No que se refere à cadeira, a sugestão é que se cobre onde o móvel foi entregue.
3. TRANSIÇÃO LONGA PARA ESTADOS E MUNICÍPIOS É RISCO DE MAIS SUBSÍDIOS
A reforma da tributação sobre consumo cria dois IVAs. No nível federal, será adotada a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), que vai unificar IPI, PIS e Cofins. Os demais entes farão a gestão compartilhada do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), que vai substituir o ICMS dos estados e o ISS dos municípios.
Foi estabelecido um período de transição entre 2026 e 2032, e, na largada, a CBS terá alíquota de 0,9%, e o IBS, de 0,1% para efeito de teste.
A CBS entra em vigor já em 2027. O IBS, no entanto, terá uma transição mais gradual. ICMS e ISS serão reduzidos ano a ano, enquanto o IBS vai sendo elevado. Pelo cronograma, a proporção será de 1/10 de IBS em relação ao ICMS e o ISS em 2029, evoluindo até 4/10 em 2032, antes da extinção dos dois tributos em 2033.
Um fundo de compensação vai garantir que estados e municípios mantenham a mesma arrecadação registrada antes da adoção das mudanças. Ao mesmo tempo, espera-se redução de benefícios fiscais que estão atrelados ao ICMS e ao ISS. O tributo desaparece, e o benefício some junto.
Especialistas, no entanto, dizem que o prazo e a sistemática da transição e os valores estimados para o fundo abrem espaço para a permanência dos benefícios tributários nos estados e municípios, um problema antigo que alimentou a guerra fiscal, e a reforma deveria extinguir.
“Estão promovendo uma redução mais lenta dos dois impostos” afirma Felipe Salto, economista-chefe e sócio da gestora de investimentos Warren Rena.
O ICMS, por exemplo, explica ele, ainda vai ter uma alíquota de 60% da atual em 2032 e ser extinto apenas em 2033.
“Alguém acredita que vai passar de 60% para zero da noite para o dia? Por que fizeram essa alteração? Podemos supor que, provavelmente, para manter o ICMS como instrumento de concessão de crédito presumido”, afirma Salto. “Seria o caos, pois o fundo de compensação existiria para bancar os atuais incentivos.”
Em seu relatório sobre o texto final, Salto colocou a reforma sob viés negativo.
4. EXCEÇÃO É QUASE REGRA
As divergências ainda são grandes no caso da lista de setores que serão exceção na adoção das alíquotas gerais dos IVAs. Há os isentos, os que terão alíquota zero ou reduzida, e até um grupo que poderá optar por outro tipo de tributação, que ainda não foi definida caso de todo o setor financeiro e da construção civil.
Algumas exceções eram esperadas e fazem sentido técnico, explica a tributarista Vanessa Canado, coordenadora do Núcleo de Tributação do Centro de Regulação e Democracia do Insper.
“Bancos, por exemplo, costumam ficar de fora porque é muito complicado aplicar IVA no spread [diferença entre os juros pagos pelos bancos ao captar o dinheiro e a taxa que cobram para emprestar recursos], afirma ela.
Os especialistas lembram que algumas exceções também se encaixam no escopo de políticas sociais. O texto final, por exemplo, dá isenção ou alíquota zero para reabilitação urbana de zonas históricas e reconversão urbanística. A criação de uma cesta básica nacional já havia sido enquadrada na mesma lógica.
No entanto, muitas exceções têm caráter político, para garantir apoio à reforma ou atender a lobbies de setores mais organizados, o que levou a excessos.
Na reta final da votação na Câmara, as igrejas conseguiram estender benefícios a suas organizações assistenciais e beneficentes, caso de creches, para exemplificar.
Serviços de saúde, educação, transporte coletivo e produtos e insumos agropecuários receberam um desconto maior, da ordem de 40% em relação à alíquota cheia, que ainda será definida.
Os tributaristas temem que o volume maior de exceções pode elevar a alíquota geral dos IVAs, como alternativa para cobrir as perdas com tantas benesses.
ALEXA SALOMÃO (BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
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Fonte: Paraíba Online