Alvo de sucessivos cortes nos últimos anos, o orçamento federal para ensino superior e ciência no país encolheu R$ 117 bilhões na última década. Juntas, as duas áreas, que são responsáveis pela produção de conhecimento no Brasil, têm previsão de receber no próximo ano R$ 19,07 bilhões, metade do que receberam em 2014.
Ao assumir o governo federal, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prometeu a retomada de investimentos em ciência e tecnologia. Depois de conseguir um orçamento maior para a área em 2023, a gestão do petista voltou a apresentar previsão orçamentária menor em 2024.
Juntas, as duas áreas, que chegaram a ter disponível R$ 38 bilhões em 2014, devem receber no próximo ano R$ 19,07 bilhões –R$ 890 milhões a menos do que neste ano. O valor mostra uma leve recuperação do orçamento do conhecimento desde que o pior montante foi registrado, quando foram destinados R$ 15,8 bilhões em 2021, durante o governo Jair Bolsonaro (PL).
O levantamento foi feito pelo Observatório do Conhecimento, rede formada por associações de docentes de universidades de todo o país, com dados disponíveis no Siop (Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento), do Ministério do Planejamento. Os valores foram corrigidos a preços de 2023, tendo como base o IPCA observado até 2022 e as previsões para 2023 e 2024 pelo relatório Focus, do Banco Central, divulgado no fim de setembro.
Os pesquisadores calculam que, se o orçamento de 2014 fosse integralmente repetido em 2024, seriam necessários mais R$ 86 bilhões para compensar as perdas que ocorreram entre 2015 e 2023 –que somam R$ 117 bilhões, pelos valores corrigidos.
Entidades científicas e acadêmicas veem com preocupação que a recomposição das verbas garantida no início deste ano não esteja prevista para 2024. Depois de uma série de cortes, elas defendem que a área precisa de um esforço urgente para sua recuperação e, assim, evitar ainda mais prejuízos a pesquisas importantes para o futuro do país, como as sobre mudanças climáticas.
Elas lembram ainda que o país seguiu nos últimos anos trajetória inversa da perspectiva internacional. Segundo o Relatório de Ciência da UNESCO, o investimento mundial em ciência e tecnologia aumentou aproximadamente 20% entre 2014 e 2018.
O estudo do observatório identificou que a queda orçamentária para o conhecimento é puxada pela queda de recursos para as universidades federais, que participam de mais da metade da produção científica do país, e para a Capes, agência que é uma das principais responsáveis pelo fomento da ciência no Brasil.
O PLOA (Projeto de Lei Orçamentária) para 2024, apresentado pelo governo, destina às 69 universidades federais do país R$ 6,85 bilhões –R$ 900 milhões a menos do que em 2023. Esse valor representa menos da metade (44%) do que a rede federal tinha disponível em 2014, quando havia apenas 59 instituições de ensino para dividir o recurso.
“A redução orçamentária para o ensino superior ocorre não apenas em um momento de expansão do número de instituições, mas também do aumento de alunos e de uma mudança de perfil dos ingressantes que trouxe uma série de novas demandas de recursos financeiros”, diz Mayra Goulart, presidente do observatório.
Hoje, mais de 70% dos alunos das universidades federais são de famílias com renda familiar per capita de até 1,5 salário mínimo. Assim, as instituições precisam destinar muito mais recursos para garantir a permanência dos estudantes até o fim do curso, com bolsas, subsídio para refeições e auxílio para transporte e moradia.
“As universidades não só perderam recursos na última década, como elas têm também que atender a essa demanda que a mudança de perfil discente trouxe. Destinar dinheiro para ações de permanência é também apoiar a produção de conhecimento e pesquisa. Por isso, elas precisam ao menos da recomposição do orçamento que tinham anos atrás”, diz Goulart, que é professora da UFRJ.
Para o próximo ano, o PLOA prevê destinar R$ 1,27 bilhões para o Pnaes (Programa Nacional de Assistência Estudantil) –R$ 190 milhões a mais do que o previsto para este ano. Mesmo com a recomposição, o valor para 2024 está longe do que o programa já teve. Em 2015, ano com o pico de recursos para a área, chegou a R$ 1,48 bilhões.
O levantamento também identificou que a Capes tem previsão orçamentária menor para o próximo ano, com R$ 5,30 bilhões, R$ 120 milhões a menos que neste ano. A redução gerou espanto já que uma das primeiras ações do presidente Lula foi anunciar o reajuste do valor das bolsas pagas pela Capes para mestrado e doutorado no país, que estava congelado havia nove anos.
Tanto as universidades federais quanto a Capes têm seu orçamento atrelado ao Ministério da Educação, que é responsável também pelo financiamento da educação básica.
“Ganhou força no país nos últimos anos um discurso de que o gasto com as universidades retira dinheiro da escola pública. E que isso seria a causa dos nossos maus resultados na educação básica. Essa é uma visão equivocada, porque não pensa a educação como um sistema. É no ensino superior que se formam os professores, que se produz pesquisa que colabora com o ensino”, diz Goulart.
Enquanto as instituições ligadas ao MEC têm previsão de menos recursos para o próximo ano, o MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação) tem uma trajetória de recomposição mais expressiva. Para 2024, o PLOA prevê R$ 8,27 bilhões de despesa para a ciência –R$ 1,12 bilhões a mais que neste ano.
“Grande parte desse recurso vem do descontingenciamento do FNDCT [Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico], que havia sido bloqueado por meio de uma MP [medida provisória durante o governo de Jair Bolsonaro”, explica a economista Letícia Inácio, uma das pesquisadoras que elaborou o levantamento.
Em nota, o MCTI destacou o descontingenciamento do fundo. “Com a medida, o FNDCT passou a dispor de R$ 4,9 bilhões em recursos não reembolsáveis para investimentos”, disse a pasta. Procurado, o MEC não respondeu até o início da noite de sexta (8) sobre a queda na previsão orçamentária.
*ISABELA PALHARES/ FOLHAPRESS
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Fonte: Paraíba Online