Erasmo Carlos se projetou na Jovem Guarda e se consolidou como um dos grandes nomes do rock nacional. Mas isso nunca lhe foi suficiente. O que o Tremendão queria mesmo era ser acolhido pela turma da MPB, era ser um deles.
Lançado em 1971, o álbum Carlos, Erasmo é, muito provavelmente, o momento mais expressivo dessa luta de Erasmo. É nele que está a canção É Preciso Dar um Jeito, Meu Amigo, que a gente ouve agora na trilha do filme Ainda Estou Aqui.
Nos anos 1970, É Preciso Dar um Jeito, Meu Amigo não era ouvida como uma canção de protesto contra a ditadura militar, como eram, por exemplo, as canções de Chico Buarque. Essa é uma percepção recente, reforçada pelo filme de Walter Salles.
No desfecho do filme, enquanto vemos as fotos de Rubens e Eunice Paiva, das suas filhas e do seu filho, ouvimos a música de Erasmo, composição dele com Roberto Carlos. Há o som alto da canção na sala e uma plateia em silêncio sepulcral.
De repente, Erasmo Carlos canta o refrão: “É preciso dar um jeito, meu amigo”, e a plateia troca o silêncio pelo aplauso. É um momento catártico dentro do cinema. Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, é pura catarse nesse Brasil de 2024.
Vi Ainda Estou Aqui na primeira sessão do dia em que o filme entrou em cartaz, sete de novembro. Havia 16 pessoas na sala. Revi por duas vezes em salas com muita gente. Na terceira semana de exibição, quando o filme beirava os dois milhões de espectadores, e, agora, na quarta semana, quando já ultrapassou essa marca.
Entre a data da estreia e as duas vezes em que revi Ainda Estou Aqui, o país ficou conhecendo o inquérito da Polícia Federal sobre o golpe planejado pelos bolsonaristas. Esse fato reforçou a ideia do quanto o filme de Walter Salles é necessário.
Ainda Estou Aqui conta uma história verdadeira do tempo da ditadura militar iniciada em 1964 com a deposição do presidente João Goulart, a do sequestro e assassinato, pelo Estado brasileiro, do ex-deputado Rubens Paiva.
O filme fala da violência dos regimes de exceção, do poder do arbítrio, da impunidade dos agentes da repressão, como os que torturaram e mataram Rubens Paiva.
Ainda Estou Aqui nasceu como um filme extremamente necessário, sobretudo para nós, brasileiros. Isso, para além dos muitos méritos que ostenta como realização.
O filme de Walter Salles é ainda mais imprescindível agora que sabemos dos riscos que corremos entre a eleição de 2022 e a posse do presidente Lula.
O Brasil esteve à beira de um episódio que poderia ter conduzido o país a uma nova ditadura militar. Deu errado – sorte nossa e da nossa democracia.
Conhecida a trama golpista, o Brasil está diante de uma oportunidade histórica de questionar o papel dos militares na vida nacional e de punir aqueles que, dentro das Forças Armadas, como que vocacionados para isso, conspiram contra a democracia. Mas dificilmente avançaremos, ainda que alguns personagens venham a ser punidos.
Ainda Estou Aqui é importante porque mexe na memória nacional, informa as novas gerações de espectadores e permite o debate sobre temas que podem parecer do passado, mas que permanecem vivos e muitíssimo atuais.
Quando o filme termina, algumas pessoas enxugam as lágrimas e outras cantarolam a música de Erasmo Carlos. “É preciso dar um jeito, meu amigo” é uma frase que bate forte na gente. Não tem sido possível, demonstram os impasses brasileiros.
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Fonte: Jornal da Paraíba