MARCELLA FRANCO, SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em 3 de março de 1963, um Cebolinha meio mal-educado tentava se equilibrar na sarjeta quando encontrou pela frente uma menina com seu bichinho de pelúcia favorito. Mandou-a sair dali e, como resposta à falta de jeito, ganhou uma coelhada na cabeça.
Foi assim que Mônica, líder da turma mais famosa do Brasil, foi apresentada aos leitores, em sua primeira tirinha que nesta sexta (3) completa 60 anos de existência. Muita coisa mudou de lá para cá.
Por exemplo: sua aparência ficou mais redonda, para ser animada com mais facilidade pelos computadores, e ela hoje em dia já não bate em mais ninguém.
Sinal dos tempos, conta Mauricio de Sousa, o pai da Mônica dos quadrinhos e da Mônica da vida real. Inspirado nos trejeitos e no rostinho de sua filha, que na época tinha quase três anos de idade, ele desenhou a menina que lhe daria fama e que faria tantas gerações de leitores felizes.
Em uma entrevista exclusiva para a reportagem, ele fala sobre como o processo de entender melhor o que é ofensivo, com a ajuda do “politicamente correto”, ajustou o comportamento da Mônica, diz por que acha que ela teve uma vida tão longa, e adianta o que a personagem pode sonhar e correr atrás de ser quando crescer.
Aliás, está aí uma possibilidade, diz Mauricio. Depois da Mônica Jovem, criada em 2008, a Mônica Adulta faz parte dos planos do desenhista e de sua equipe. É aguardar para ver.
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PERGUNTA – Como foi para você o nascimento da sua filha Mônica? E como você escolheu o nome dela?
MAURICIO DE SOUSA – Mônica foi minha segunda filha. Eu já tinha a Mariângela. Era um momento em minha vida de muita luta para conseguir viver como desenhista. O nascimento de um filho é mágico, e sabia que ela me daria forças para continuar a lutar pelos meus sonhos. Mais tarde vi que ela sempre participou de meus sonhos.
O nome Mônica foi em homenagem à atriz italiana da época, Monica Vitti. Eu adoro o cinema italiano dos anos 1960.
P – Ela tinha dois anos e meio quando você se inspirou nela para criar sua primeira personagem menina. Por que desenhar sua filha e não outra menina aleatória?
MS – Meus amigos da redação do jornal me perguntaram por que não havia meninas nas historinhas do Cebolinha. E eu também me perguntei isso. Como desenhava em casa, minhas filhinhas brincavam ao lado. Olhei para elas e logo me inspirei no jeitinho delas.
A Magali comendo uma melancia enorme, a Mariângela boazinha brincando em outro canto, e a Mônica, com um coelhão que eu dei para ela correndo de um canto para outro. Então não criei nada. Estava tudo lá ao meu lado. Surgiram então a Magali, a Maria Cebolinha e a Mônica.
P – Por que os dentes da Mônica são grandões?
MS – Quase toda criança tem os dentes da frente maiores. Minha filha tinha também, digamos, mais do que o normal. Destaquei no desenho. Depois as crianças crescem e isso fica em segundo plano.
P – Por que você achou legal dar um coelho de pelúcia para a Mônica dos quadrinhos?
MS – Como disse, eu tinha dado de presente para a Mônica um coelhão de palha amarelo, já naquele momento dos três aninhos. Então só incorporei à personagem com ele um pouco menor. A cor azul foi para contrastar melhor com o vestido vermelho.
P – A Mônica de verdade também só usava roupas vermelhas? Por que você escolheu dar só vestidinhos iguais para a Mônica dos quadrinhos?
MS – Minha filha sempre gostou de roupas vermelhas. Aí apliquei na personagem. Personagem de quadrinhos sempre fica com a mesma roupa para ser identificado.
P – E de onde vem a força da Mônica?
MS – Aí juntou o jeitinho dela de personalidade forte, liderança natural e força mental para que passasse isso nas historinhas. Funcionou muito bem.
P – Grandes meninas dos quadrinhos também fizeram muito sucesso, como a Mafalda [personagem argentina de 1964] e a Luluzinha [personagem americana de 1935], mas nenhuma delas chegou aos 60 anos com tirinhas novas. A que você atribui essa vida longa da Mônica?
MS – Em primeiro lugar porque eu me inspirei em alguém real. Depois porque comecei a montar uma equipe para poder produzir mais e nunca perder a visão de que leitores querem bastante criatividade, sempre, e a cada momento exigem mais. Acho que conseguimos isso nestes muitos anos de vida do estúdio.
P – Ainda falando sobre Luluzinha e Mônica: as duas sempre tiveram que lidar com meninos enxeridos. Como e por que você decidiu colocar isso nas histórias da Mônica?
MS – Na infância são naturais as briguinhas e as amizades mais próximas. Basta observar qualquer criança, mas em nossas historinhas essas briguinhas são sempre resolvidas com a ideia de saber conviver com as diferenças de cada um. Por isso sempre terminam como amigos apesar das diferenças.
P – Você acha que hoje em dia a relação da Mônica com os amigos meninos é diferente?
MS – A sociedade vai evoluindo e a discussão de como vivemos também vai. Hoje temos o politicamente correto que nos diz o que é uma ofensa e que antes passava batido. Estamos atentos a isso, e por esta razão nas historinhas da turminha clássica a Mônica apenas roda o coelhinho, mas não mais aparece batendo nos meninos.
P – Eles pararam ou vão parar de falar da aparência dela?
MS – Sim, pela mesma razão.
P – Você modificou algo da Mônica ao longo desses 60 anos porque os leitores e a sociedade foram de certa forma pedindo?
MS – As modificações foram mais no visual porque fomos adaptando a personagem às novas plataformas de comunicação nas animações, por exemplo. Uma personagem mais arredondada facilita a animação em 3D. Na personalidade não houve grandes mudanças. Amenizamos apenas para acompanhar as mudanças comportamentais da sociedade.
P – As mães das meninas da Turma não tiveram uma carreira além de dona de casa. Você acha que dá para a Mônica sonhar em ter uma profissão e uma carreira?
MS – A Mônica e seu estilo de liderança inspira as meninas para que se valorizem mais e tenham sonhos que possam realizar. Claro que a Mônica adulta será assim. Na turma da Mônica Jovem já percebemos esta evolução.
P – O que você acha que a Mônica quer ser quando crescer?
MS – Qualquer profissão que exija força e liderança. A minha filha real é nossa diretora comercial e está no lugar certo. Acho que a Mônica personagem pode ir para o mesmo caminho. Vamos ver o que poderá acontecer quando produzirmos a Mônica adulta. Está em nossos planos.
P – Como você acha que a Mônica inspirou e segue inspirando outros desenhistas?
MS – Assim como me inspirei em desenhistas como Will Eisner, do personagem Spirit, que depois virou meu amigo, todos desenhistas precisam de inspiração em seus pares para crescerem.
Com nossa série de Graphics, onde passamos para desenhistas brasileiros desenvolverem como seriam nossos personagens em seus próprios estilos, podemos perceber, pelo sucesso da série, que a Turma da Mônica inspira muitos deles até hoje.
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Fonte: Paraíba Online