A Lei do Feminicídio completa neste domingo (9) dez anos de sanção, incluindo o assassinato de mulheres por questões de gênero no rol de crimes hediondos. Em 2024, passou por reformulações, com penas mais duras para os agressores. Dez anos depois, os dados mostram uma realidade ainda alarmante na Paraíba. Conforme dados coletados e analisados pelo Núcleo de Dados da Rede Paraíba de Comunicação, de 2015 a 2024, os números de feminicídios foram crescendo, principalmente depois de 2016. E a partir de 2021, os números começaram a cair, com um aumento pontual em 2023. Em dez anos, 297 casos de feminicídio foram registrados em todo o estado. Nos mesmos dez anos, no entanto, o número de medidas protetivas aumentou exponencialmente.
Os crimes de feminicídio aconteceram em 48,4% das cidades paraibanas, muitas vezes por um pensamento estrutural que leva à banalização desse crime. A cidade de João Pessoa lidera a quantidade de crimes, com 41 feminicídios de 2015 a 2024. Seguido de Campina Grande (24), Patos (11), Santa Rita (11) e São Bento e Sousa, com 7 cada um.
Na mesma década, o número de medidas protetivas solicitadas na Justiça cresceu. Em 2015, foram 45 medidas protetivas solicitadas. Em 2024 o número de medidas protetivas solicitadas chegou a 10.599: 8.693 foram concedidas pela justiça e 368 revogadas. O número indica que, a cada hora, uma mulher solicita uma medida protetiva na Paraíba.
O aumento no número de medidas protetivas de urgência significa que mais mulheres estão denunciando seus agressores e conseguindo romper um ciclo de violência extenso e doloroso.
“O aumento das denúncias significa que as mulheres estão tendo acesso à informação, elas sabem onde denunciar, elas sabem onde buscar ajuda. Isso se deve porque o estado tem oferecido essa ajuda. É uma mão dupla. Se o estado aumenta as políticas de proteção para as mulheres, as mulheres passam também a confiar que esses mecanismos podem salvar sua vida. Então elas procuram. Sem dúvida nenhuma, isso tem uma relação direta e é muito importante que cada vez mais se divulgue os endereços e os lugares onde as mulheres possam pedir ajuda”, atesta a pesquisadora de violência de gênero Glória Rabay.
No dia 9 de março de 2025, a Lei Nº 13.104, que incluiu o feminicídio no rol dos crimes hediondos. A lei é um marco para o registro de crimes que envolvem a relação de gênero, especificamente sobre mulheres. Em 2024, essa lei foi modificada para a Lei Nº 14.994 e o crime de feminicídio tornou-se independente, com penas mais duras. A nova lei prevê que condenados por assassinato contra mulheres motivado por violência doméstica ou discriminação de gênero terá pena mínima de 20 anos, e máxima de 40 anos.

Para a pesquisadora em violência de gênero, Glória Rabay, a Lei do Feminicídio teve o importante papel de fazer com que a sociedade reconhecesse que algumas pessoas são mortas unicamente porque são mulheres. “Esse é o grande método da Lei do Feminicídio. Não foi por acaso que ela foi morta, ela foi morta porque ela é mulher, ela era mulher, ou mulher cis ou mulher trans, que agora a lei não faz mais diferença. Isso é muito importante. E a partir daí, a gente tem o debate na mídia, o debate nas escolas, em várias instituições sociais. A universidade pesquisa isso e políticas públicas se ampliaram buscando dar proteção às mulheres. Então, a explicitação da Lei do Feminicídio leva aos setores públicos proposições de proteção às mulheres”, argumenta Glória Rabay.
Dispositivo de proteção
De acordo com o Tribunal de Justiça da Paraíba, em 10 anos, 75 mulheres vítimas de feminicídios tinham medidas protetivas concedidas. Quatro tiveram medidas protetivas revogadas ou não concedidas.
Edcleide de Sousa Santana foi assassinada no ano passado, em Malta, no Sertão da Paraíba. O suspeito do crime é o homem com quem ela morava e tinha um relacionamento. Ela chegou a solicitar uma medida protetiva, que foi concedida. Mas, antes de morrer, a medida foi revogada.
A juíza e coordenadora da Mulher do Tribunal de Justiça da Paraíba, Graziela Queiroga, explica que uma medida protetiva, após ser concedida pela Justiça, pode ser revogada por diversos motivos, podendo ser por fim do prazo – considerando que alguns juízes colocam prazo final para vigência da medida – ou até mesmo por um pedido da vítima.

“Nós temos, na Lei Maria da Penha, o artigo 22, que elenca todas as medidas protetivas que podem ser concedidas para a vítima, contra o ofensor. Então vai desde o afastamento do lar, vai desde a proibição de comunicar-se, vai também, a depender da situação, de ela não poder ter acesso direto aos filhos. Então tudo isso é analisado pelo magistrado, pela magistrada, é feito esse balizamento, do que pode ser ou não concedido. E, obviamente aquele rol, ele não é um rol taxativo, ele é um rol exemplificativo”, detalha a juíza.
Para solicitar uma medida protetiva, a mulher deve procurar a Delegacia da Mulher ou a Delegacia de Polícia mais próxima, e relatar a violência sofrida. Atualmente, ainda há a opção de acionar a Polícia Civil para registro de ocorrência via Delegacia Eletrônica ou por telefone, no Disque 197.
O boletim de ocorrência será registrado e, caso a mulher solicite medidas protetivas, a autoridade policial registrará o pedido e irá remetê-lo ao juiz, que deverá apreciar este requerimento em até 48 horas.
“Eu tenho uma máxima e gosto muito de dizer: na dúvida, proteja”, reforça a juíza Graziela Queiroga.
A distribuição para o juiz, no entanto, também pode ser feita pela própria vítima ou pelo Ministério Público. “Nosso maior número pela própria Delegacia da Mulher”, ressalta a magistrada.

Para a coordenadora das delegacias da mulher, Sileide Azevedo, a medida protetiva é um grito de socorro e não deve ser descartada.
“A medida protetiva funciona, ela é efetiva. Porque a partir da solicitação daquela vítima na delegacia de polícia, do deferimento pelo poder judiciário, aquela mulher é incluída numa rede de proteção. Então, quando recebe a decisão judicial, ela tem a opção de ser acompanhada por um programa muito efetivo que nós temos no estado, que é o programa Patrulha Maria da Penha, que fará o monitoramento do cumprimento dessa medida protetiva. Nós temos um programa conhecido como SOS Mulher, que em casos mais sensíveis, essa mulher recebe um aparelho de telefonia celular e, a partir de então, a polícia exerce um monitoramento para ajudar aquela mulher e identificar uma possível aproximação daquele autor em um descumprimento daquela medida. Então, quando a mulher pede, ela consegue romper esse ciclo e quando ela pede essa ajuda na delegacia, nós conseguimos protegê-la”, reforça a delegada.
Delegacias da mulher na Paraíba
Atualmente, a Paraíba conta com 18 delegacias da mulher espalhadas em 16 cidades do estado. Até 2015, ano de sanção da lei do feminicídio, existiam 9 delegacias da mulher na Paraíba. Quatro delas ficavam localizadas na Grande João Pessoa (João Pessoa, Cabedelo, Bayeux e Santa Rita). Três estavam no Sertão (Sousa, Patos e Cajazeiras). Uma no Brejo (Guarabira) e uma em Campina Grande.
- Foram 14 anos sem nenhuma delegacia criada na Paraíba, mantendo apenas 9 para cobrir todo o estado.
- Com a Lei do Feminicídio sancionada em março de 2015, mais duas delegacias da mulher foram criadas na Paraíba, neste mesmo ano: outra em João Pessoa e uma em Monteiro.
- A Coordenação das Delegacias da Mulher (Coordeam) só foi criada em maio de 2015.
- Mais duas delegacias foram criadas em 2016: Picuí e Mamanguape. As 18 se completam com as criações nos anos de 2018 (Queimadas), 2023 (Campina Grande) e 2024 (Itaporanga, Alhandra e Esperança).
De acordo com Sileide Azevedo, da Coordeam, a Paraíba, proporcionalmente, está entre os estados da Federação com maior número de delegacias especializadas no país.
“Nós teremos a criação, nesses próximos dois anos, de mais sete delegacias especializadas aqui para o nosso estado. Essa é uma realidade que vai atender as microrregiões da Paraíba. Mas, paralelo a isso, nós formamos os profissionais de segurança pública para esse enfrentamento onde não há delegacias especializadas. O profissional que atua numa pequena unidade policial, que não é delegacia especializada, passa por processos formativos que auxiliam nesse acolhimento a essa mulher vítima. Quando pensamos em violência contra a mulher, a palavra de ordem nas unidades policiais é acolhimento, é receber essa mulher de modo que ela se sinta confortável para narrar as violências que sofreu e para receber o aparato estatal nesse enfrentamento dessa violência”, detalha Sileide Azevedo.

Como denunciar violência contra a mulher
Medo, vergonha e culpa são sensações que passam a fazer parte da vida das mulheres que estiveram cara a cara com a violência. Motivos que muitas vezes desencorajam a denunciar. Mas ter conhecimento dos canais de denúncia é fundamental para romper o primeiro elo.
Denúncias de estupros, tentativas de feminicídios, feminicídios e outros tipos de violência contra a mulher podem ser feitas por meio de três telefones:
- 197 (Disque Denúncia da Polícia Civil)
- 180 (Central de Atendimento à Mulher)
- 190 (Disque Denúncia da Polícia Militar – em casos de emergência)
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Fonte: Jornal da Paraíba