O joio do trigo #27

Como parte do meu trabalho, a cada semana eu leio muito conteúdo sobre dados, tecnologia e inteligência artificial (apelidada de IA). Eu faço uma seleção e envio para você os melhores, todos os domingos.

A partir de uma perspectiva evolutiva, a habilidade das nossas mãos foi se ampliando progressivamente, contribuindo para o sucesso de indivíduos que podiam realizar mais tarefas com elas. Até que ponto podem ser complexas essas tarefas e de que maneira a tecnologia e a IA se inserem nesse debate? Vamos nessa?

O chique é ser simples

O historiador Yuval Noah Harari, em seu livro “Uma breve história da humanidade”, menciona a revolução cognitiva como uma das revoluções mais importantes que moldaram o curso da história humana. Embora o cérebro do Homo sapiens represente apenas 2-3% do peso corporal, ele consome cerca de 25% da energia corporal mesmo quando está em repouso. Por mais de 2 milhões de anos, as redes neurais humanas continuaram a se expandir. Mas o que realmente aproveitamos disso?

Diferentemente de outras espécies, nós caminhamos sobre duas pernas. Este modo de locomoção nos permite vasculhar a savana com maior facilidade em busca de presas, ao mesmo tempo que libera nossos braços para diferentes funções. A habilidade das nossas mãos foi se ampliando progressivamente, levando ao sucesso de indivíduos que podiam realizar mais tarefas com elas. Essa pressão evolutiva resultou em uma concentração cada vez maior de nervos e músculos bem ajustados nas palmas e dedos. Como resultado, os seres humanos são capazes de executar tarefas complexas com as mãos, uma habilidade potencializada por um cérebro igualmente eficiente, segundo o autor.

Conforme destaca o autor, mutações genéticas alteraram as conexões internas do cérebro dos sapiens, permitindo que pensassem de maneira inédita e se comunicassem através de uma linguagem completamente distinta. Surge então a questão: quão complexas podem ser essas tarefas e como a tecnologia e a IA se inserem nesse debate? Talvez seja uma reflexão meio filosófica, ou até existencial? No entanto, como dizemos com frequência, “em casa de ferreiro, o espeto não pode ser de pau. Vamos buscar dados e separar O Joio do Trigo!

Ilustração gerada pela ferramenta Midjourney

Um estudo de 2018 realizado pelo Banco Mundial apresenta dados comparáveis sobre a qualidade da educação em 163 países. Ao longo do último século, nações ao redor do mundo conseguiram avançar significativamente na ampliação do acesso à educação. Para ilustrar, enquanto em 1870 apenas alguns países contavam com uma população cuja média de anos de estudo era superior a quatro anos, hoje são raros os países onde a população tem um nível de educação inferior a isso. Segundo os autores, essa expansão persiste atualmente, sendo que, nas últimas duas décadas, o número de crianças fora da escola reduziu-se quase pela metade globalmente. No entanto, os dados indicam que, para mudarmos o jogo, não basta simplesmente mandar as crianças para as escolas. É crucial que a frequência escolar promova o desenvolvimento de competências específicas.

O gráfico acima ilustra a correlação entre os índices de aprendizado e o PIB per capita ao longo do tempo. Cada linha neste gráfico representa um país. Como podemos observar, a maioria das linhas sugere que o PIB e os índices de aprendizado frequentemente caminham juntos. Assim, a busca por habilidades aparece como um diferencial não apenas para o indivíduo, mas também para o país.

A forma como nos comunicamos possui uma influência significativa na evolução cognitiva que mencionamos. Todas as espécies possuem alguma forma de linguagem; por exemplo, abelhas e insetos conseguem se comunicar através de métodos sofisticados. Os primatas dispõem de uma linguagem vocal bastante expressiva, assim a capacidade de comunicação não é exclusiva dos seres humanos.

No entanto, a nossa linguagem destaca-se pela sua versatilidade. Somos capazes de concatenar uma variedade de sons, sinais e frases, o que nos permite absorver, armazenar, interpretar e disseminar uma vasta quantidade de informações sobre o mundo a nossa volta. Nesse processo, existem habilidades que são fundamentais e facilitadoras, sendo a leitura uma delas. Os gráficos que vêm a seguir mostram a porcentagem de jovens de 15 anos, categorizados por níveis de compreensão em leitura, nos anos de 2009 e 2018:

Apesar das barreiras ao comparar dados de testes padronizados, é importante analisar as informações que temos à mão. Em 2009, o Brasil registrava que 50% de seus adolescentes de 15 anos estavam no chamado nível 1 (Level 1), demonstrando, assim, dificuldades em realizar tarefas básicas de leitura, com dados insuficientes para caracterizar completamente suas habilidades. No dado mais recente, de 2018, ainda observamos que 40% desses jovens permanecem no nível 1 (Level 1).

Independentemente da IA, sempre buscamos a automação de tarefas repetitivas. Desde a linha de produção até a macro de uma planilha, esse movimento não está vinculado ao cargo ou ao setor. Por exemplo, automatizar um processo de análise de mercado trará benefícios e aumentará a produtividade para um executivo que lidera uma empresa.

No começo, mencionamos que, antigamente, os mais bem-sucedidos eram aqueles que realizavam trabalhos manualmente complexos. À medida que surgem inúmeras soluções baseadas em tecnologia, incluindo a Inteligência Artificial (IA) generativa, surge a pergunta: quais habilidades possibilitarão que o indivíduo tenha oportunidades e crescimento, tanto pessoal quanto profissional?

E não estou falando de saber programar ou entender os modernos algoritmos de inteligência artificial. Por outro lado, também não se trata de se iludir com uma tela onde se pode fazer qualquer pergunta e, como se fosse mágica, obter a resposta. Estou me referindo ao pensamento crítico, que inclui a capacidade de avaliar se a resposta de uma dessas ferramentas faz sentido. O desafio é aprender com a história e nos prepararmos, especialmente as novas gerações, para a próxima revolução.

A era da IA está apenas começando! 🙂

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Convidado da semana: Nadir Altinok, Noam Angrist e Harry Patrinos

Você provavelmente nunca ouviu falar do trio mencionado aqui. Eles conduziram um estudo intitulado “A Global Dataset on Education Quality” que aborda a qualidade da educação em 163 países. Segundo os autores, o estudo abrange 90% da população, e os dados são comparáveis, mesmo considerando a diversidade de países e culturas. Em um mundo com tanto ruído, dados como esses nos auxiliam a separar o Joio do trigo.

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