O joio do trigo #25

Como parte do meu trabalho, a cada semana eu leio muito conteúdo sobre dados, tecnologia e inteligência artificial (apelidada de IA). Eu faço uma seleção e envio para você os melhores, todos os domingos.

Esta semana, vamos discutir sobre a evolução da IA generativa. Em um mercado onde, todos os dias, surgem novas e criativas soluções, fica a pergunta: estamos conseguindo resolver problemas reais? Será que existe alguma chance de essa tecnologia queimar a largada? Vamos separar o joio do trigo?

O chique é ser simples

Nosso papel em O Joio Do Trigo é sempre trazer insights e conteúdos que façam nosso leitor refletir quando o assunto é dados, tecnologia e IA. Temos o cuidado de selecionar assuntos e aplicações que passem pelo nosso cotidiano e apoiem nossas rotinas.

Diferentes perspectivas são sempre valiosas para que possamos questionar “certezas”, e se fizer sentido, ajustarmos o caminho – o que é natural. Dito isso, vamos separar o joio do trigo?

Esta semana, dois episódios chamaram minha atenção e gostaria de compartilhar com você. As empresas de capital aberto, que têm suas ações negociadas em bolsa de valores, são obrigadas por regulamentações a divulgar seus resultados financeiros de forma periódica.

Um amigo comentou sobre uma análise interessante, feita pelo banco Goldman Sachs, para um índice que acompanha as 3.000 maiores empresas dos Estados Unidos. O estudo avaliou a proporção de companhias do indicador que fizeram referência à IA em sua última divulgação trimestral de resultados. Como podemos observar no gráfico abaixo, no primeiro trimestre de 2023, um total de 16,6% das empresas citaram IA, enquanto no mesmo período de 2015, menos de 1% o fizeram.

Você deve estar se perguntando neste momento: isso realmente está acontecendo? Contrariando o ditado popular ’em casa de ferreiro, o espeto é de pau’, vamos buscar dados e, quem sabe, encontrar algumas respostas.

A segunda informação que me chamou a atenção é uma pesquisa da McKinsey, publicada no começo de agosto, sobre o status da IA generativa, demonstra que 79% dos entrevistados afirmam ter tido pelo menos alguma exposição à IA generativa, seja no trabalho ou fora dele, e 22% afirmam utilizá-la regularmente em sua rotina de trabalho.

O gráfico acima, extraído do relatório, demonstra que o uso das ferramentas de IA generativas estão concentradas nas áreas de marketing e vendas, desenvolvimento de produtos e operações. Em marketing e vendas os usuários usam a solução para criação de uma primeira versão de um documento, em ações de marketing personalizadas e para resumir documentos e textos.

Quando realizamos uma segmentação por geografia, percebemos que, para países em desenvolvimento, os usuários afirmam que usam a IA generativa regularmente fora do ambiente de trabalho (a maior porcentagem entre todos os grupos), mas esse número diminui significativamente quando observamos o uso regular no ambiente de trabalho.

Não é difícil encontrar comparações entre a IA generativa e o processo de eletrificação do final do século 19. No entanto, John Thornhill, em seu artigo para o FT, faz um comentário muito assertivo (em tradução livre):

Modelos de IA generativa permitirão a criação de novos serviços e modelos de negócios ainda não imaginados. Durante a eletrificação em massa da economia no final do século XIX, as empresas lucraram ao gerar e distribuir eletricidade. Mas as grandes fortunas foram feitas posteriormente ao utilizar a eletricidade para transformar formas de fabricação de coisas, como o aço, ou inventar produtos e serviços completamente novos, incluindo eletrodomésticos.

John Thornhill

Ferramentas de produtividade, como as voltadas para marketing, e também soluções que auxiliam na escrita de códigos, amplamente utilizadas por programadores, parecem concentrar os casos de uso que, até o momento, apresentam maior aderência, tração e, consequentemente, receita. Para casos de uso relacionados à escrita de código e produtividade, veja as edições anteriores:

A pergunta que surge é: pararemos por aqui? É uma questão difícil de responder, que precisa levar em conta diversos aspectos, como a maturidade tecnológica, por exemplo. Afinal, existem setores que ainda estão começando a desenhar sua estratégia de dados.

As expectativas em relação à IA generativa são enormes, e podemos perceber isso em diversas dimensões. A primeira delas se reflete na adoção pelas pessoas. Em dezembro de 2022, o ChatGPT se tornou uma das plataformas que rapidamente atingiu 1 milhão de usuários na história, superando Spotify e Instagram. No início de 2023, a solução já contava com 25 milhões de usuários.

Uma segunda dimensão diz respeito aos investimentos. Cinquenta das startups de IA generativa mais promissoras, identificadas pelo site CB Insights, levantaram mais de US$ 19 bilhões em financiamento desde 2019. Dentre estas, 11 são unicórnios, empresas avaliadas em pelo menos 1 bilhão de dólares. A título de curiosidade, três quartos dessas empresas têm sede nos EUA. O Reino Unido fica em segundo lugar, com 5, e Canadá e Holanda seguem de perto com 2 cada. Outros países que contam com uma ou mais empresas incluem França, Alemanha e Israel.

E uma terceira dimensão diz respeito às empresas. Em outro estudo, a McKinsey estima que a IA generativa poderia adicionar o equivalente a US$ 2,6 trilhões a US$ 4,4 trilhões anualmente, levando em conta 63 casos de uso analisados. Para efeito de comparação, o PIB total do Reino Unido em 2021 foi de US$ 3,1 trilhões. Podem e devem existir outras dimensões; nosso objetivo não é que a lista seja exaustiva. Dito isso, voltamos à pergunta: como evitar queimar a largada?

A resposta envolve alguns componentes, novamente em uma lista não exaustiva, mas pontos que considero relevantes:

  • Ir além do código: pessoas experientes em domínios específicos ajudando a direcionar o desenvolvimento de soluções com objetivos claros;

  • Entender as possibilidades e também as limitações da tecnologia. Em geral, os modelos foram projetados para prever a próxima palavra;

  • Reconhecer que existe uma curva de desenvolvimento da tecnologia; algumas aplicações requerem precisão, o que vai exigir investimento e tempo. Inclusive, as empresas que estão liderando esse processo precisam entender que nem todos os setores necessitam de um equilíbrio entre criatividade e precisão;

  • A melhor combinação é homem e máquina, liberando tempo das pessoas para fazer o que a máquina não faz;

  • Calibrar as expectativas: modelos que apoiam a tomada de melhores decisões existem há muito tempo e devem continuar evoluindo. As vantagens competitivas, em IA generativa, ainda não são claras e devem se tornar evidentes (se acontecer) durante a caminhada.

    Essa é uma discussão positiva, e encarar de frente as limitações e desafios vai permitir que a tecnologia avance e seja capaz de apoiar na solução de diversos desafios para a sociedade.

A era da IA está apenas começando! 🙂

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