Cerca de um quinto dos estudantes no último ano dos cursos de licenciatura no país não tem a intenção de trabalhar como professores. Para especialistas em educação, a baixa remuneração e as más condições do trabalho docente fazem com que os concluintes busquem outras áreas para atuar.
Os dados são de um questionário aplicado para os estudantes inscritos para fazer o Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes) de 2021, edição em que foram avaliadas as licenciaturas da área de ciências humanas, biológicas e exatas.
O ministro Camilo Santana definiu a formação inicial de professores como um dos gargalos da educação brasileira. Em uma das primeiras ações à frente do cargo, ele instituiu um grupo de trabalho para estudar e propor mudanças na estrutura curricular das licenciaturas e formas de estimular mais jovens a entrar e continuar nesses cursos.
Segundo o Enade, de 305.215 concluintes de licenciatura que responderam ao questionário, 19% dizem não ter vontade de atuar no magistério -14% afirmam não querer a docência como principal função e 5% descartam totalmente a carreira. Outros dizem ainda não ter decidido sobre seguir na profissão.
“Com a desvalorização da profissão docente, o Brasil criou um funil para a formação de novos profissionais. Primeiro, não consegue atrair os jovens para a carreira, depois não garante que, muitos dos que entraram em licenciatura, se formem. E ainda não consegue convencer quem se formou a seguir na profissão”, diz Claudia Costin, diretora do Centro de Políticas Educacionais da FGV.
“Sem mudar essa trajetória, o país corre não só o risco de não atrair profissionais bem qualificados para a profissão, mas também de não ter professores em número suficiente para atender a demanda do país”, conclui Costin, que é também presidente do Instituto Singularidades.
Outros estudos já alertaram para o risco do déficit de professores no futuro. Segundo uma estimativa feita pelo Semesp (Sindicato das Entidades Mantenedoras de Ensino Superior), com base em dados do Ministério da Educação, se mantido o ritmo atual de formados nas licenciaturas, a educação básica brasileira pode ter falta de 235 mil docentes até 2040.
A baixa atratividade da carreira já havia sido alertada por uma pesquisa da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) em 2018, que apontou o Brasil como o país com o mais baixo percentual de jovens interessados na profissão. Só 2,4% dos alunos de 15 anos queriam ser professores.
Os dados do Enade mostram os concluintes apontam a vocação como principal motivação para a escolha do curso de licenciatura, apontada por 35%. Mas 3% dizem que a opção ocorreu por falta de condições financeiras para fazer outro curso e 2% dizem ainda que não havia opção de bacharelado na área.
Depois de passar todo o ensino médio relutante à ideia de seguir a profissão da mãe, Iza Silvério, 24, decidiu que faria pedagogia. Ela está no último ano da graduação e diz ter se encontrado na profissão.
“A realidade da profissão é muito difícil e eu via isso dentro de casa, com a minha mãe. Ainda que ela sempre tenha se mostrado entusiasmada e apaixonada pela profissão. Eu resisti à ideia, mas, no fim, era o que eu queria fazer”, conta.
Ela é professora assistente em uma escola particular bilíngue de São Paulo e reconhece que suas condições de trabalho são melhores do que a da maioria dos docentes do país. “Em um colégio particular, com mensalidades altas, não há problemas comuns que o restante enfrenta como baixos salários, falta de condição de trabalho adequada. Mas a falta de reconhecimento da profissão ainda acontece.”
“Muitos pais não enxergam o professor como um profissional, mas como alguém que gosta de crianças, como alguém com vocação para educar. A sociedade precisa ver a nossa carreira como as demais”, avalia.
Para especialistas, as condições da carreira docente fazem com que muitos licenciados optem por seguir outros rumos profissionais ao concluir a graduação. Por exemplo, graduados em química ou física encontram, em geral, melhores salários no setor produtivo do que em sala de aula.
“Quem chega ao fim da licenciatura, em geral, fez estágio e conhece bem a realidade da escola pública, sabe que vai enfrentar condições adversas em sala de aula. Por isso, muitos buscam sair do magistério”, diz Maria Márcia Malavasi, professora da Faculdade de Educação da Unicamp.
Elas apontam também que a pouca atratividade dos currículos de licenciatura podem colaborar para que muitos estudantes desistam do magistério. Os cursos no Brasil são considerados muito teóricos e pouco conectados com a realidade de sala de aula.
(ISABELA PALHARES – FOLHAPRESS)
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Fonte: Paraíba Online