
Gilberto Gil está com 82 anos e, nesse momento, passa pelas cidades brasileiras com Tempo Rei, sua turnê de despedida. Nesta terça-feira, 1° de abril de 2025, faz 50 anos que conheci Gil pessoalmente e pela primeira vez vi seu show.
Comecei a ouvir Gil aos oito anos, em 1967, quando ele se projetou nacionalmente cantando Domingo no Parque. Em 1975, quando pude vê-lo de perto pela primeira vez, ele já atravessara o Tropicalismo, a prisão pela ditadura e o exílio em Londres.
Gilberto Gil é uma figura essencial na vida brasileira, contemplando gente de várias gerações com sua música, sua poesia, sua sabedoria e sua singular persona pública. Neste post, trago a lembrança do dia em que o conheci.
João Pessoa, 1° de abril de 1975, cinco da tarde. Na sala da direção do Teatro Santa Roza, estavam os jornalistas Agnaldo Almeida e Carlos Aranha, os radialistas Francisco Ramalho Jr. e Walter Cartaxo, e dois adolescentes que davam os primeiros passos na imprensa paraibana, eu e Walter Galvão.
O entrevistado foi pontual: Gilberto Gil, 32 anos, cinco discos autorais de estúdio, três anos de exílio em Londres após ser preso pelo governo brasileiro; oito de carreira, se tomarmos como referência o LP Louvação, de 1967, e não os anos iniciais de sua carreira em Salvador.
A conversa foi amistosa, mas algumas perguntas confirmavam uma certa hostilidade da imprensa em relação ao Tropicalismo. Sobretudo quando traziam cobranças nos temas políticos ou insistiam em classificações sempre equivocadas – por parte dos entrevistadores – sobre “a boa versus a má música brasileira”.
Aos 15 anos, intimidado pelos mais velhos, não fiz perguntas durante a entrevista coletiva. Mas, na despedida, conversei um pouco com Gil, que se encaminhava para a passagem de som. Perguntei pelo conjunto (em 1975, ainda não usávamos banda) que o acompanhava.
Ouvi como resposta que era um trio inspirado no Jimi Hendrix Experience. Ele no violão (ou na guitarra), Moacir Albuquerque no baixo, Chiquinho Azevedo na bateria.
Gilberto Gil tocava em João Pessoa pela segunda vez. Na primeira, em 1967, ainda não era nacionalmente conhecido. Fazia uma temporada no Teatro Popular do Nordeste, no Recife, e passara por aqui, no mesmo Teatro Santa Roza, para mostrar suas músicas pré-tropicalistas, aquelas do álbum Louvação.
Em 1975, percorria o país com um repertório semelhante ao do disco gravado ao vivo no Teatro da Universidade Católica de São Paulo, o Tuca, em 1974, e estava prestes a fazer um dos seus álbuns mais importantes, o Refazenda. Naquela noite e outra vez na noite seguinte, fui vê-lo no palco.
O show começava com uma música cuja letra parece ter se perdido: The Sound of the End of a Time. Não está no livro Todas as Letras, tão bem organizado por Carlos Rennó. O registro que ficou conhecido é o da versão em português, Ê, Povo, Ê, que apareceria logo depois no disco Refazenda.
Outra música do set list esquecida pelo autor (também não está em Todas as Letras) contava a história verdadeira de um casal que subira numa árvore para que esta não fosse derrubada. Gil improvisava sobre o tema, acompanhando-se ao dúlcimer, instrumento semelhante ao tricórdio que o pernambucano Lula Cortes nos apresentou.
O show durava três horas. Procissão, do disco de estreia, anterior ao Tropicalismo, fora transformada em blues. Cantiga de Sapo, que ouvíamos com Jackson do Pandeiro, formava um medley com O Sonho Acabou, composta no exílio depois que Gil ouviu o the dream is over de John Lennon.
Expresso 2222, Oriente e Back in Bahia vinham do disco Expresso 2222, lançado na volta ao Brasil, em 1972. Lugar Comum, parceria com João Donato, estava no álbum ao vivo do ano anterior.
Na primeira parte do show, ao violão, Gil dividia o palco com Moacir Albuquerque e Chiquinho Azevedo. Seguia-se uma sequência de voz e violão.
No desfecho, Gil trocava o violão pela guitarra que aprendera a tocar em Londres. Comandava, então, um arrebatador power trio inspirado no que o encantara na genialidade de Jimi Hendrix.
Voz, violão, baixo e bateria. Voz e Violão. Voz, guitarra, baixo e bateria. Não importava a formação. Em todas elas, naquela noite de já tão remotos 50 anos atrás, as raízes se misturavam às antenas que o compositor apontava para o futuro, sintetizando o gigante que ele é nos palcos e nos estúdios.
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Fonte: Jornal da Paraíba