Por Walter Santos
O Procurador do Ministério Público do Tribunal de Contas da Paraiba, Marcílio Toscano Franca Filho, chamou a atenção nesta segunda -feira à tarde quando da entrega da reforma do prédio do Tribunal de Justiça incluindo Cripta do ex-presidente Epitácio Pessoa ao realçar o gesto do TJ pela preservação da memoria, em detrimento da recente ação predadora de vândalos bolsonaristas destruindo busto do maior paraibano no âmbito da representação no STF.
Marcilio Franca Filho fez uma leitura histórica lembrando as influências de personagens da Grécia na compreensão de problemas na civilização. Até citou a fase de Epitacio Pessoa no Tribunal Internacional como brasileiro reconhecido.
Eis o conteúdo na íntegra:
“Excelentíssimo Senhor Desembargador Saulo Henriques de Sá e Benevides,
Autoridades aqui presentes,
Eu não pretendo massar a todos com um discurso, sobretudo depois dessa
<span;>aula de história que ouvimos há pouco do Des. Marcos Cavalcanti.
Mas num país que tem tão pouco apreço pelos espaços de memória, quero, sim, registrar o mais profundo e necessário agradecimento, em nome da família Pessoa, pela reabertura deste espaço ao Senhor Desembargador Saulo Benevides e ao Tribunal de Justiça da Paraíba.
.Na última semana, assistimos todos, ainda estupefatos, a novas imagens da selvageria do 8 de janeiro. Nelas, um vândalo arremessava ao chão, de inopino,
<span;>um centenário busto em mármore de Epitácio Pessoa, no Salão Nobre do Supremo Tribunal Federal. A escultura, do português Rodolpho Pinto do Couto, é idêntica àquela que, em bronze, ilumina o átrio da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Paraíba, do outro lado desta mesma Praça João Pessoa.
Para além dos dramáticos aspectos materiais, aquele crime é especialmente tenebroso porque, em primeiro lugar, tentava apagar uma parte do nosso passado e destruir o passado é o mesmo que abandonar uma parte de nós mesmos.
Em segundo lugar, porque atentava contra a memória de um dos mais incisivos e veementes defensores do Estado de Direito que o Brasil já viu nascer.
Hoje, mais do que perseguido pela polícia, acusado pelo ministério público ou alcançado pela justiça, aquele vândalo que destruiu o busto é, decerto, assombrado pelas Erínias, as três irmãs da mitologia grega encarregadas da punição aos crimes mais graves.
Alecto, a implacável, persegue o criminoso com fachos acesos, não o deixando jamais dormir em paz. Megera, a intolerante, grita ininterruptamente nos ouvidos do facínora, lembrando-lhe da falta que cometeu.
Tisífone, a severa, açoita o delinquente dia e noite, enlouquecendo-o pela eterna punição.
Um mesmo elemento comum une as três Erínias: a persistência da memória. Por insondáveis mistérios etimológicos, as Erínias nos fazem recordar que “Erinnerung” é, no idioma alemão, o substantivo feminino que designa,
<precisamente, lembrança, recordação e memória. A memória, portanto, pode ser
um vigoroso castigo.
Mas, senhor Presidente, não falo de mitologia grega, não falo da memória como mero remorso que consome o criminoso. Mais do que o remorso que assombra ou o espinho da culpa cravado na consciência do delinquente, castigo maior não pode haver, do que demonstrar àqueles que agridem o patrimônio cultural, ofendendo o Estado de Direito, que Epitácio Pessoa, um dos mais excelsos defensores da justiça e das leis, continua a ser lembrado, rememorado e cultuado.
Em nome da Família Pessoa, senhor presidente, peço que Vossa Excelência e o eg. Tribunal de Justiça da Paraíba aceitem os nossos mais profundos agradecimentos por permitir que as atuais e futuras gerações continuem a encontrar nesta cripta e neste memorial a inspiração perene e o exemplo sincero de como se pode lutar pela justiça com as armas do direito.
Há exatos 100 anos, em 10 de setembro de 1923, o secretário-geral da Liga
<span;>das Nações, Eric Drummond, escreveu de Genebra ao secretário do Tribunal Permanente de Justiça Internacional, Åke Hammarskjöld, na Haia, para informar sobre a eleição de Epitácio Pessoa como o primeiro magistrado brasileiro a exercer a jurisdição internacional.
Pessoa participou de sua sessão inaugural na Corte em 17 de junho de 1924. A informação consta das atas da Corte Internacional, conservadas na biblioteca do Palácio da Paz, em Haia, na Holanda.
Quando se comemora exatamente o centenário do primeiro brasileiro na
suprema magistratura internacional, o Tribunal de Justiça da Paraíba demonstra
que proteger o passado é, também, salvaguardar o futuro. Muito obrigado.
<Marcílio Toscano Franca Filho, Procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da Paraiba