Circulam nas redes sociais vídeos de professores alardeando que, neste ano, houve mudanças nos critérios da correção da redação do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio).
O que se diz, em geral, é que os corretores deverão ser mais rigorosos com erros gramaticais e na cobrança do formato de texto, que exige uma proposta de intervenção para o problema apresentado pelo tema. Alguns desses influencers apostam que as notas vão cair.
Órgão do MEC (Ministério da Educação) responsável pelo Enem, o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) nega que tenha havido qualquer alteração de critério e diz que os corretores serão treinados a partir de agora, após a aplicação da redação.
O tema da redação foi “Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil”. A divulgação das notas do Enem está marcada para o dia 16 de janeiro.
O burburinho sobre uma eventual mudança nos critérios da redação do Enem é consequência da troca, neste ano, dos responsáveis pela correção. Desde 2017, essa operação —que envolve a seleção e o treinamento dos corretores— estava a cargo da FGV (Fundação Getulio Vargas). Neste ano, quem venceu a licitação para aplicar e corrigir as provas do Enem foi o Cebraspe (Centro Brasileiro de Pesquisa e Avaliação, Seleção e Promoção de Eventos), da UnB (Universidade de Brasília).
O que deu margem para se falar em mudança foi o material encaminhado àqueles que se candidataram no processo seletivo de corretores de redação. Foram cerca de 400 páginas com um aparato teórico sobre a redação, além da realização de um curso a distância para todos os inscritos, que aconteceu entre 24 de agosto e 27 de setembro. As provas foram aplicadas em 1º de outubro, e a lista dos selecionados, divulgada no último dia 31.
Professores de redação com perfis populares nas redes sociais, então, fizeram vídeos dizendo que o “processo foi caótico” e “em cima da hora”, deixando corretores em dúvida.
A maioria disse acreditar que haverá menos tolerância para erros gramaticais, como os de vírgula. Se antes os corretores aceitavam dois erros sem descontar pontos, agora aceitarão apenas um, de acordo com os influencers.
Eles afirmaram também que será exigido que a conclusão recapitule a tese e proponha uma intervenção para todos os problemas apresentados ao longo do texto. Esse já era o modelo da redação do Enem, mas neste ano, de acordo com esses influencers, as exigências foram ressaltadas para os corretores e haverá maior rigor.
O Inep disse, por meio de sua assessoria de imprensa, que o material entregue pelo Cebraspe aos candidatos a corretores “apresentam apenas informações teóricas acerca do processo de correção das redações”.
O órgão afirmou que “não houve mudanças nos critérios de avaliação e que a capacitação dos corretores será realizada após a aplicação das provas, de forma presencial, com base nas regras e diretrizes já apresentadas na Cartilha do Participante”.
“O material consolidado para orientar os corretores quanto ao trabalho a ser executado será entregue e utilizado nas capacitações presenciais. Todos os avaliadores de redação participarão de capacitação presencial na qual poderão sanar, em definitivo, quaisquer dúvidas acerca do processo de avaliação das redações”, acrescentou o Inep.
O treinamento dado durante o processo seletivo de corretores de redação do Enem deste ano levou o professor Adriano Chan a desistir desse trabalho. Corretor de redação de vestibulares desde 2015 e proprietário de um cursinho de redação, ele disse ter abandonado a seleção por ter se “indignado com tantas mudanças de última hora”. “Os grupos de WhatsApp de corretores mostram que todos estão com dúvidas.”
Chan disse acreditar que as notas podem cair, e muito. “Dificilmente teremos uma nota 1.000 neste ano”, afirmou. Ele aposta em uma redução de 80 a 120 pontos em média, por aluno. “Isso já está sendo percebido na correção de redações de escolas que se ajustaram às mudanças.”
Para ele, “mudanças de última hora podem ampliar as injustiças sociais”.
“Alunos com acesso a professores que passaram pelo treinamento dos corretores, que são uma minoria privilegiada de cursinhos e escolas particulares, estarão mais bem preparados do que a maioria, não treinada por docentes que participam desse processo.”
CURSINHOS FALAM EM ‘AJUSTES FINOS’
Consultados pela reportagem, os coordenadores de redação dos cursinhos Anglo, Objetivo e Poliedro não consideram que tenha ocorrido uma mudança significativa na correção da redação e falam em ajustes finos, que, segundo eles, ocorrem todos os anos e são naturais. Eles também criticaram professores influencers que alardearam mudanças nas redes sociais.
“Não há qualquer informação oficial sobre mudanças na avaliação”, diz Flávia Santana Consolato, coordenadora da equipe de correção do Curso Anglo. “O recomendável é o estudante confiar no trabalho feito ao longo do ano e se fiar em informações oficiais do Inep, em vez de se preocupar com notícias sensacionalistas, caçadoras de like, tão comuns hoje em dia.”
Professora do laboratório de redação do Objetivo, Cida Custódio diz que “é importante se ater à matriz de referência do Enem”, um documento que o Inep divulga com as habilidades que o candidato deve demonstrar na redação. “E a matriz, que vem sendo utilizada há muitos anos, não mudou”, diz. “Se há um maior ou um menor rigor em critérios específicos, isso não vai alterar significativamente o resultado.”
Para ela, a correção do Enem vem se tornando mais criteriosa e, neste ano, o material preparatório dos corretores aponta de fato maior rigor. “Mas me soa como um reforço, para os corretores, de exigências que já faziam parte do modelo.”
Gabrielle Cavalin, coordenadora de redação do Poliedro, criticou a divulgação do material de preparo dos corretores. “Tudo isso deveria ser sigiloso. Há pessoas se aproveitando do fato de serem corretores de redação do Enem para aparecer, vender cursos.”
Segundo Cavalin, esses vídeos geraram estresse nos alunos, que já estão passando por problemas de ansiedade. Ela ressalta que o treinamento dos corretores acontece somente após a aplicação da prova, inclusive considerando o tema da redação. “A partir do tema, e com os textos já em mãos, há o alinhamento da correção. Mas o aluno que foi treinado a partir da matriz não pode ser prejudicado por esses ajustes.”
Coordenadora da plataforma Redação Nota 1000, que treina estudantes para o Enem, Julia Ferreira também criticou a divulgação do material dos corretores. Para ela, “o único material oficial do Inep e que pode ser levado em consideração”, a Cartilha do aluno, “mostra que a estrutura da redação ainda se mantém a mesma”.
*LAURA MATTOS/ FOLHAPRESS
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Fonte: Paraíba Online