David Lynch morreu nesta quinta-feira, 16 de janeiro de 2025. Estava somente a quatro dias de completar 79 anos. Fumava desde menino e tinha enfisema pulmonar.
No começo dos anos 1980, fui ao teatro ver O Homem Elefante, a peça de Bernardo Pomerance. Paulo Autran era o médico Frederick Treves; Ewerton de Castro, John Merrick, o homem elefante, e Karin Rodrigues, Madge Kendal, a atriz que se envolve com Merrick.
Duas coisas me levaram ao teatro: a possibilidade de ver Paulo Autran ao vivo e o impacto que sentira, um pouco antes, vendo O Homem Elefante de David Lynch.
Alcancei David Lynch em O Homem Elefante, que é de 1980. Eraserhead, de 1977, só vi mais tarde. Era interessante que Lynch fizesse sucesso comercial com um tipo de cinema que parecia totalmente anticomercial – acabou sendo parte da sua assinatura.
No cinema, quem fazia John Merrick era John Hurt. Coube a Anthony Hopkins fazer Frederick Treves. Anne Bancroft era Madge Kendal – um elenco extraordinário.
Em seu Dicionário de Cinema – Os Diretores, Jean Tulard diz que, belo e comovente, O Homem Elefante reata com a tradição do fantástico americano. Para Tulard, o filme é uma obra-prima sobre a dignidade dos monstros exibidos nas feiras.
Duna, de 1984, foi um completo fracasso, mas Blue Velvet (Veludo Azul) é uma obra-prima. Provavelmente, David Lynch dando o seu melhor. Belo, estranho, violento, onírico, perturbador, ficou como um dos grandes momentos do cinema da década de 1980.
Confesso que não acompanhei Twin Peaks na televisão, série cultuadíssima do início da década de 1990. O mundo de Twin Peaks que guardo na minha memória é o do filme Twin Peaks: Fire Walk With Me, que David Lynch realizou em 1992.
No Brasil, Twin Peaks: Fire Walk With Me se chamou Twin Peaks: Os Últimos Dias de Laura Palmer. O filme não foi bem recebido. O tempo o recuperou.
Na televisão, Twin Peaks imprimiu um novo conceito de série numa época em que não havia essa febre de séries que há hoje nos canais fechados. E era exibida na TV aberta. No Brasil, a Globo exibia Twin Peaks no final das noites de domingo.
Palma de Ouro no Festival de Cannes, Coração Selvagem – Wild at Heart é de 1990. Um incrível e violentíssimo road movie estrelado por Nicolas Cage e Laura Dern.
Sailor, o personagem de Nicolas Cage, é alucinado por Elvis Presley. Há uma cena em que ele canta para Laura Dern a balada Love Me, clássico do repertório de Elvis.
Cidade dos Sonhos – Mulholland Drive, de 2001, é uma experiência audiovisual singular, alucinante e intencionalmente confusa, um autêntico exemplar do cinema de David Lynch. Cidade dos Sonhos permanece como um dos grandes filmes do século XXI.
Eraserhead é de 1977. Twin Peaks: The Missing Pieces é de 2014. 37 anos separam um do outro. Apenas 11 filmes no tempo em que David Lynch atuou como diretor.
David Lynch é, então, da linhagem dos diretores que imprimiram seu nome no cinema do mundo realizando poucos filmes. Sem estabelecer comparações, Stanley Kubrick foi assim, Quentin Tarantino também é assim.
Em 2022, Steven Spielberg realizou um belo filme autobiográfico chamado Os Fabelmans. No desfecho, o jovem Sammy Fabelman é recebido por John Ford num grande estúdio de cinema. Quem faz John Ford é David Lynch.
Ranzinza, autoritário, arrogante, mas genial – David Lynch está perfeito como John Ford, o maior de todos os cineastas dos Estados Unidos.
A cena é um tributo de Spielberg a Ford, mas também a Lynch. David Lynch como John Ford num filme de Steven Spielberg – é a imagem que quero guardar dele.
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Fonte: Jornal da Paraíba