Por 324 votos a favor, 123 contrários e 3 abstenções, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei complementar que regulamenta a reforma tributária sobre o consumo. A proposta requeria maioria absoluta. Em seguida, os deputados derrubaram mudanças do Senado por 328 contrários, 18 favoráveis (a manter as alterações) e 7 abstenções.
Na prática, a reforma significa uma simplificação da tributação sobre o consumo e, para a vida dos brasileiros, vai provocar mudança no momento da compra de alguns produtos e serviços.
Cesta básica, remédios, combustíveis, serviços de internet em streaming, os produtos são diversos. Com uma longa lista de exceções e de alíquotas especiais, o novo sistema tributário terá impactos variados conforme o setor da economia. Paralelamente, pela primeira vez na história, haverá medidas que garantam a progressividade na tributação de alguns tipos de patrimônio, como veículos, e na transmissão de heranças.
Com a aprovação, o projeto de lei complementar pode ser enviado para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Agora, podem virar lei complementar, itens como cashback (devolução parcial de imposto para os mais pobres), impostos reduzidos para imóveis e cesta básica nacional isenta de imposto.
O que muda com a aprovação na Câmara?
O relator do texto foi o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG). O parecer de Lopes retira os principais pontos alterados no Senado, como:
- a retirada das bebidas açucaradas do Imposto Seletivo (imposto cobrado sobre produtos que prejudiquem a saúde ou o meio ambiente); e
- a redução em 60% da alíquota para os serviços de saneamento e água e de veterinária.
O texto também derrubou a possibilidade de substituição tributária do futuro Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) e retomou as listas de princípios ativos específicos para os medicamentos com isenção ou com alíquota reduzida em 60%.
A versão aprovada pelo Senado tinha extinguido as listas e tinha estabelecido a isenção e a redução de alíquota com base em doenças e em funções de medicamentos. Segundo Lopes, as mudanças farão a alíquota padrão de IVA cair para até 27,84%, contra alíquota de 28,55% da versão aprovada pelo Senado, a maior do planeta para esse tipo de imposto, superando a Hungria.
No caso dos serviços, o parecer de Lopes cria um redutor de 30% da alíquota sobre serviços veterinários, que tinha saído do Senado com redução de 60%. O texto retira o redutor de 60% dos seguintes tipos de serviços: segurança da informação e cibernética; atividades educacionais complementares agregadas, como educação desportiva, recreacional e em línguas estrangeiras.
O texto também retirou a redução de alíquota da água mineral e dos biscoitos e bolachas de consumo popular. Os representantes comerciais deixam de ter alíquota reduzida em 30%.
Em relação à substituição tributária, o texto aprovado pelo Senado permitia a instituição de cobrança do IVA, conforme o desejo do Poder Executivo, no primeiro elo da cadeia produtiva, como ocorre atualmente com o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre fumo e bebidas. Dessa forma, a indústria seria responsável por recolher o tributo com antecedência, em nome dos demais elos da cadeia, como o comércio. Instituída nos anos 2000, a substituição tributária é encarada como uma forma de diminuir a sonegação.
O que é o IVA
A proposta da reforma tributária introduz o Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) no sistema tributário nacional.
Segundo o texto, cinco impostos que existem hoje serão substituídos por dois IVAs:
- Três tributos federais (PIS, Cofins e IPI) dão origem à Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal;
- ICMS (estadual) e o ISS (municipal) serão unificados no formato do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), com gestão compartilhada entre estados e municípios.
No modelo do IVA, os impostos não são cumulativos ao longo da cadeia de produção de um item.
Proteínas isentas
O projeto define que carnes, frangos e peixes terão alíquota zero, dentro da cesta básica nacional. Os itens haviam sido incluídos pela Câmara em julho, em oposição a Lira e ao Planalto. O Ministério da Fazenda afirma que a isenção das proteínas foi responsável por elevar em 0,56% a estimativa da alíquota-padrão.
Segundo o texto, estarão isentos:
- carnes bovina, suína, ovina, caprina e de aves — com exceção de foies gras;
- peixes — com exceção de salmão, atum, bacalhau, hadoque, saithe e ovas;
- arroz;
- leite;
- leite em pó;
- fórmulas infantis;
- manteiga;
- margarina;
- feijão;
- café;
- óleo de babaçu;
- farinha de mandioca e tapioca;
- farinha de milho;
- grãos de milho;
- farinha de trigo;
- açúcar;
- massas alimentícias;
- pão francês;
- grão de aveia;
- farinha de aveia;
- queijos mozarela, minas, prato, coalho, ricota, provolone, parmesão, fresco não maturado e do reino, além de requeijão;
- sal;
- mate;
- farinha hipoproteica;
- massas hipoproteicas;
- fórmulas dietoterápicas para erros inatos do metabolismo;
- ovos;
- alguns tipos de produtos hortícolas — com exceção de cogumelos e trufas;
- frutas frescas ou refrigeradas e frutas congeladas, sem açúcar ou conservantes;
- plantas e produtos de floricultura relativos à horticultura e cultivados para fins alimentares, ornamentais ou medicinais;
- raízes e tubérculos; e
- cocos.
Uma outra categoria de alimentos terá direito a um corte de 60% nas cobranças do IBS e da CBS:
- crustáceos e moluscos — com exceção de lagosta e lagostim
- leite fermentado e compostos lácteos
- mel natural
- outros tipos de farinha, que não estão isentas
- grumos e sêmolas de cereais
- grãos de cereais não contemplados na alíquota zero
- amido de milho
- óleos de soja, milho, canola e outros óleos vegetais
- outras massas alimentícias, que não estão isentas
- sucos naturais, sem adição de açúcar e conservantes
- polpas de frutas, sem adição de açúcar e conservantes
- pão de forma
- extrato de tomate
- frutas, produtos hortícolas e vegetais, sem adição de açúcar e conservantes — com exceção de frutas de casca rija
- cereais, sementes e frutos oleaginosos
- produtos hortícolas pré-cozidos ou cozidos em água ou vapor, sem açúcar e conservantes
- frutas de casca rija regional, amendoins e outras semente
Medicamentos
Em relação aos medicamentos, o relator retomou o texto aprovado pela Câmara. O Senado havia substituído a lista de princípios ativos com alíquota zero de IVA pela isenção aos medicamentos destinados ao tratamento de câncer, doenças raras, Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST, termo usado no projeto), Aids, doenças negligenciadas (que atingem populações mais pobres).
O texto do Senado também havia isentado vacinas, soros e medicamentos para o controle de diabetes mellitus, sem especificar o princípio ativo. O relatório retirou a alíquota zero sobre os medicamentos vendidos pelo Programa Farmácia Popular.
A Câmara também rejeitou a aplicação da alíquota de 60% aplicada exclusivamente a medicamentos industrializados ou importados por empresas que tenham firmado compromisso de ajuste de conduta com a União e o Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS, futuro imposto estadual e municipal) ou que sigam diretrizes da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (Cmed).
Os deputados também excluíram o trecho que previa o envio de uma Lei Complementar com uma lista taxativa dos medicamentos que terão direto a alíquota zero.
Imposto Seletivo
Além de reinstituir o Imposto Seletivo sobre bebidas açucaradas, o texto aprovado pela Câmara restabeleceu a lista de cinco critérios para as alíquotas sobre veículos, a serem estabelecidas via lei ordinária. O Imposto Seletivo será cobrado de forma gradual conforme a potência, a densidade tecnológica (grau de modernização), a realização de etapas de fabricação no país e a categoria do veículo.
O parecer de Lopes também derrubou uma alteração do Senado que permitia a redução em até 25% da alíquota do Imposto Seletivo caso as empresas tomem ações para reduzir danos à saúde ou ao meio ambiente.
Na prática, os itens desta categoria terão uma tributação maior do que a alíquota-comum — estimada pela Fazenda em 27,97%.
Pela proposta, serão sobretaxados:
- cigarros;
- bebidas açucaradas;
- bebidas alcoólicas;
- embarcações e aeronaves;
- carros, incluindo os elétricos;
- apostas nas modalidades físicas e online, como “bets” e “fantasy games”; e
- extração de minério de ferro, de petróleo e de gás natural.
O Senado aprovou, e a Câmara manteve um trecho que impede a cobrança do Imposto Seletivo sobre exportações de minérios. Na prática, somente a extração e operações no mercado nacional estarão sujeitas à tributação. A medida era pleiteada por mineradoras.
O projeto de regulamentação estabelece, porém, exceções à cobrança do IS. Estão nesta lista:
- caminhões; e
- veículos de uso operacional das Forças Armadas ou dos órgãos de segurança pública.
Imóveis
Operações imobiliárias de pessoas físicas ou jurídicas serão tributadas com a CBS e o IBS. Pessoas físicas que, por ano, arrecadarem abaixo de R$ 240 mil com o aluguel de imóveis não serão tributadas.
O projeto cria dois redutores — social e da alíquota de tributação — para ajustar e diminuir a carga tributária.
Redutor social: será aplicado nas operações de compras de imóveis e lotes residenciais; e no aluguel residencial. O mecanismo reduz a base de cálculo da tributação. O objetivo é beneficiar famílias com renda mais baixa e imóveis populares.
Por exemplo, se o redutor for de R$ 400 e o aluguel de um apartamento R$ 1 mil, o imposto incidirá somente sobre R$ 600.
Pela proposta, o redutor social será de:
- R$ 100 mil na compra de imóveis novos;
- R$ 30 mil na compra de lote residencial; e
- R$ 600 para o aluguel de imóveis residenciais.
Os valores serão atualizados mensalmente, depois da eventual sanção da proposta, pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) – considerada a inflação oficial do Brasil.
Corte na alíquota: a proposta estabelece também que haverá cortes lineares nas alíquotas do IBS e da CBS aplicadas em transações imobiliárias.
Segundo o texto, a alíquota-comum será reduzida em:
- 50% em todas as operações com imóveis; e
- 70% nas operações de locação, cessão onerosa e arrendamento.
Nanoempreendedores e motoristas de app
A regulamentação da reforma cria a figura do nanoempreendedor, que será isento da cobrança dos novos impostos sobre consumo. A categoria vai abranger pessoas físicas que tenham receita bruta anual inferior a R$ 40,5 mil (metade do limite de microempreendedores individuais).
Motoristas e entregadores de aplicativo poderão ser enquadrados como nanoempreendedores. Para eles, a proposta estabelece, porém, uma flexibilização.
A soma do valor arrecadado pelos trabalhadores de app levará em conta somente 25% do bruto recebido ao longo de um mês. A mudança, segundo parlamentares, vai ampliar o número de beneficiados.
*Com Agência Brasil
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Fonte: Jornal da Paraíba