A redação do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) é a parte da prova em que há maior diferença de notas entre alunos de escolas estaduais e de unidades particulares. Em alguns estados, a distância entre a rede pública e a privada chegou a 47% em 2023.
O exame é a principal porta de entrada para o ensino superior público do país. Marcado para os dias 3 e 10 de novembro, conta com 4,3 milhões de inscritos confirmados.
A redação costuma ser determinante para discriminar os candidatos que conseguem uma vaga na universidade. É a única área, por exemplo, em que é possível chegar à nota 1.000, o que resulta em um peso relevante na média final do candidato.
As diferença de desempenho dos alunos acontece também em outras partes da prova, mas o desafio da rede pública é maior ainda na produção do texto.
Todas as redes estaduais do país registraram médias na redação com uma diferença de ao menos 25% das médias das escolas privadas do mesmo estado em 2023. Em matemática, por exemplo, esse percentual é de aproximadamente 21%.
Além de escrever um texto, os participantes têm de fazer outras quatro provas no exame: linguagens, ciências humanas, ciências naturais e matemática. Há uma nota para cada parte da prova e, no caso das áreas objetivas, as notas não chegam a 1.000 porque são calculadas por um modelo matemático que leva em conta variáveis como nível de dificuldade das questões e o desempenho de todos os participantes.
As análises foram realizadas para a Folha pela Letrus Educação, empresa que usa ferramentas de Inteligência Artificial em treinamentos de redação, a partir dos microdados do Enem, divulgados pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais).
Na média do país, as redes estaduais têm 200 pontos a menos na redação do que a média das escolas privadas.
A pesquisa analisou as redes estaduais porque elas concentram 84% do ensino médio do país. As escolas particulares têm 13% dos alunos da etapa (o restante está na rede federal).
Os estados com as maiores diferenças percentuais entre as médias dos alunos das redes estadual e privada foram Ceará, Tocantins e Piauí. Nos três, a distância foi de 47% –no caso do Piauí, a rede privada do estado teve a maior média (827 pontos).
As maiores notas entre as redes estaduais na redação ocorreram em Sergipe (604,5 pontos), Espírito Santo (604) e Rio Grande do Sul (602,5). Ainda assim, o abismo com as respectivas redes privadas de cada estado fica em torno de 30% nesses locais.
Mesmo o estado que tem a melhor média de redação na rede pública (que é Sergipe) fica abaixo da menor média da rede privada –Roraima, onde as escolas particulares ficaram com 700 pontos. A média mais baixa da rede estadual é no Amazonas, com 505,5 pontos.
A reportagem procurou o Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação) para comentar, mas o órgão não se manifestou.
Procurada, a Secretaria da Educação do Ceará afirmou que aulas de redação fazem parte do currículo e há oferta de aulões de texto, além de incentivos à participação na prova. A pasta afirma que a rede teve melhora na média da redação entre 2019 e 2023 –nos cálculos da secretaria, a média seria de 550,5 pontos, acima da calculada pela Letrus (de 543,96).
Já a Secretaria de Educação do Amazonas afirmou que disponibiliza material de preparo para o Enem e capacita professores. A pasta disse ainda que ao analisar os números é preciso levar em conta realidade do estado –com complexa rede fluvial e desafios de acessibilidade, sobretudo no interior.
Piauí e Tocantins também foram procuradas, mas não responderam até a publicação deste texto .
A redação é corrigida a partir de cinco competências, com valor de 200 pontos cada uma: o domínio do português, compreensão do tema e aplicação de conceitos, articulação de informações, coesão e proposta de intervenção.
Esta última competência é uma inovação do Enem e não costuma ser cobrada em outros vestibulares. É nela que os alunos das redes estaduais têm as piores notas na comparação com quem estudou em escolas particulares, segundo a pesquisa.
De 2016 a 2023, a média desses estudantes na categoria ficou abaixo de 100 pontos.
O coordenador da pesquisa na Letrus, Luis Junqueira, diz que essa competência é a métrica que mais afasta os estudantes das duas redes. Para ele, além da elaboração da proposta, a dificuldade está na devida compreensão dos alunos de quais devem ser os agentes responsáveis pelas resoluções das problemáticas apresentadas.
“É aqui que os estudantes têm um mar de distância, na casa dos 50%. Quando a gente está falando de procurar os elementos que formam uma proposta, de um agente articulado com uma ação para desenvolver um modo de forma detalhada com uma finalidade, a desigualdade de performance é mais alta”, diz.
Para quem dá aulas nas duas redes, a falta de tempo nas redes estaduais para as aulas de redação é uma das razões para essa disparidade.
Na rede pública, o mais comum é que não haja disciplina exclusiva para o tema, que é abordado na grade de português. “Na rede privada, a gente tem aula de gramática com um professor, redação e literatura com outro professor. Na rede pública, é [apenas] português, e cabe ao professor fazer essa distribuição de carga horária entre as três frentes”, diz Danilo Santiago, professor da rede pública e da particular em Salvador
Por conta disso, os alunos das escolas particulares acabam conseguindo treinar mais, afirma a professora de língua portuguesa Danielle Capriolli, que leciona em um colégio particular de São Paulo.
“Ela [a redação] é uma prática. Você vai pegando o jeito, percebendo a estrutura e conseguindo criar as suas redações. Agora, se o aluno não produz, se não tem quem corrija, fica cada vez mais difícil dele produzir bons textos”, diz.
Os professores sinalizam que para um bom aprendizado de redação é necessário um grande volume de produção e, portanto, um maior fluxo de correções. As particulares dispõem de estruturas como equipe de corretores ou plataformas de correção automática que agilizam o processo. Isso em geral não existe nas redes estaduais.
Com a nota do Enem, os participantes podem concorrer a vagas nas instituições de ensino superior por meio do Sisu (Sistema de Seleção Unificada). Há cursos que dão peso diferente a cada área, o que ocorre com frequência com a redação.
*MARIANA BRASIL/folhapress
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Fonte: Paraíba Online