A Promotoria de Justiça de João Pessoa e o Núcleo de Gênero, Diversidade e Igualdade Racial (Gedir) instauraram mais um inquérito civil público para apurar a prática de racismo religioso contra uma mulher de religião de matriz africana. Desta vez, as práticas racistas teriam sido cometidas por servidoras do Judiciário, que chegaram a sugerir que a vítima poderia perder a guarda dos filhos em razão de sua fé. O Ministério Público solicitou abertura de inquérito policial e vai encaminhar os autos para a Corregedoria e a presidência do Tribunal de Justiça para as medidas cabíveis.
O ICP 001.2024.032716 foi instaurado pela promotora de Justiça, Fabiana Maria Lobo da Silva, que atua na defesa da cidadania na capital. De acordo com o despacho da membra do Ministério Público, a vítima era parte em um proceso que tramitava na 2ª Vara de Família de Mangabeira, e relatou que sofreu racismo religioso devido a sua crença de matriz africana, o candomblé, por parte de integrantes do Núcleo de Apoio das Equipes Multidisciplinares, do Fórum Cível Desembargador Mário Moacyr Porto, em Mangabeira.
Juiz acionou o MP
O caso aconteceu entre 2015 e 2018, mas só chegou ao conhecimento do Ministério Público da Paraíba (MPPB) recentemente, por meio de ofício encaminhado pela Coordenação do Núcleo de Apoio das Equipes Multidisciplinares do Tribunal de Justiça da Paraíba.
Ao tomar conhecimento do fato, a Promotoria realizou uma audiência (em 11 de junho) para ouvir a vítima. Ela relatou que foi autora de uma ação de regulamentação de visitas de seus dois filhos interposta contra seu ex-marido, cuja decisão judicial determinou que as visitas do genitor deveriam ser feitas com o acompanhamento do Setor Psicossocial do TJPB, que funciona no Fórum Cível. O racismo religioso aconteceu durante três anos, nas ocasiões das esperas no Setor Psicossocial do TJPB, por parte de três servidoras lotadas no setor.
“Chegou a macumbeira”
“A vítima contou que é mãe de santo e professa a religião do candomblé desde criança e que as servidoras questionavam sua fé e, por várias vezes, falaram que ela não deveria levar as crianças para o terreiro, pois não era ‘ambiente familiar’, com muitos homossexuais e bebidas, sendo que ela diz que nunca levou seus filhos a cultos que tivessem bebidas. Ela contou que, certa vez, quando a declarante chegou no setor, uma das servidoras falou ‘chegou a macumbeira’ e que as servidoras diziam que a declarante poderia perder a guarda das crianças em razão de sua fé”, relatou a promotora de Justiça, Fabiana Lobo.
De acordo com as membras do MPPB que estão conduzindo o inquérito, a vítima denunciou outras situações de racismo, como ter sido barrada no Setor Psicossocial por estar com vestido branco e cabeça raspada com torço (composição da indumentária religiosa). “A mãe de santo também contou que chegou a mentir para as servidoras dizendo que não frequentavam mais o candomblé e passou a ir ao setor sem seus adereços sagrados com medo de perder a guarda dos filhos e que tinha medo de se encontrar com as servidoras na rua. Ela, inclusive, relatou esses fatos nas audiências da Vara de Família em Mangabeira, na qual tramitava o processo”, explicou Liana Carvalho, promotora coordenadora do Gedir.
Inquérito policial e letramento racial
Diante dos fatos denunciados, o Ministério Público, por meio da Promotora de João Pessoa e do Gedir, fez alguns encaminhamentos. O primeiro deles foi a determinação de remessa de cópia dos autos à Delegacia de Repressão aos Crimes Homofóbicos, Racismo e Intolerância Religiosa com fins de investigação, no prazo legal de 30 dias, da prática de crime, em tese, previsto no art. 20 da Lei Federal 7.716/89, ou outra tipificação legal conforme a apuração dos fatos, em face de racismo religioso.
O MPPB também vai remeter os autos à Corregedoria de Justiça do TJPB com fins de ciência e adoção das medidas disciplinares eventualmente cabíveis em face da prática, em tese, de racismo religioso contra a vítima denunciante, por parte de servidoras do Setor Psicossocial do Tribunal, como também à Presidência do TJPB, solicitando a realização de capacitações dos servidores do órgão contra a intolerância religiosa e de letramento racial, na medida em que o caso em tela se aponta para prática de racismo religioso, mais especificamente, contra pessoas adeptas de religião de matriz africana.
O caso da Uber
Em março, a Promotoria de Justiça instaurou uma notícia de fato e notificou a empresa Uber do Brasil Tecnologia, com sede em São Paulo, para que preste esclarecimentos relacionados à prática de racismo religioso por motoristas que usam o aplicativo da empresa para prestar o serviço de transporte em João Pessoa. O procedimento está em andamento, com o fito de se buscar uma compensação para os atos, na esfera cível, dentro do processo extrajudicial.
A promotora de Justiça, Fabiana Lobo, avalia que o racismo religioso vem sendo subnotificado no Estado e informa à população que o Ministério Público da Paraíba está aberto a acolher as manifestações das vítimas, seja diretamente na Promotoria de Justiça, que funciona na Avenida Almirante Barroso, na capital, ou por meio de outros órgãos e canais de denúncias disponíveis em www.mppb.mp.br/faleconosco.
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Fonte: WSCOM