O joio do trigo #28

Como parte do meu trabalho, a cada semana eu leio muito conteúdo sobre dados, tecnologia e inteligência artificial (apelidada de IA). Eu faço uma seleção e envio para você os melhores, todos os domingos.

A inflação é um tema recorrente no Brasil. Os dados podem proporcionar uma vantagem competitiva? Como podemos ir além do discurso? O uso de dados, inicialmente destinados a um objetivo específico, pode influenciar decisões e enfrentar desafios que não parecem relacionados à primeira vista? Realizamos um exercício baseado em um projeto criado para atender aos desafios do setor público. Vamos nessa?

O chique é ser simples

A inflação é um assunto recorrente entre governos e países, especialmente no Brasil. Nas décadas de 80 e 90, vivenciamos um período de hiperinflação, com remarcações diárias de preços. O documentário idealizado e dirigido por Louise Sottomaior, em parceria com o ex-ministro da Fazenda e economista Mailson da Nóbrega, “Economia Brasileira: A História Contada por Quem a Fez”, narra um pouco desta história de uma maneira curiosa.

Como o próprio nome sugere, muitos dos participantes do documentário tiveram um papel na construção da nossa história. Para ilustrar segue um trecho nas palavras do historiador Jorge Caldeira:

Na ausência de moeda de papel as liquidações são todas feitas de palavras, e palavra é cumprida, o fiado é a mais extensa instituição econômica criada no Brasil”

Jorge Caldeira

Os fatores que levam à inflação ou hiperinflação são diversos. No entanto, a inflação será aqui utilizada como pano de fundo, pois compreender a história é vital para planejar o futuro, e os dados são cruciais neste processo. O ex-ministro Pedro Parente, também no documentário, confirma essa visão que parece óbvia:

A posição do final do primeiro semestre só ia ser conhecida lá por outubro/ novembro, então não era uma informação que tinha qualquer utilidade sobre o ponto de vista de gestão das finanças públicas

Pedro Parente

Neste cenário, surgiu o projeto de pesquisa denominado Billion Prices Project, cujo objetivo é utilizar big data para calcular índices de preços em diversos países. Em 2008, a ideia recebeu o apoio do MIT. De acordo com os criadores, uma grande e crescente parcela dos preços de varejo ao redor do mundo passou a ser publicada online nos sites dos próprios varejistas, representando uma vasta fonte de informações.

O intuito do projeto é entender como essas novas fontes de dados apoiam no cálculo dos indicadores econômicos tradicionais. O termo “bilhão” foi empregado para expressar a aspiração de coletar uma enorme quantidade de dados sobre preços, meta que foi alcançada em menos de dois anos. Em 2010, o projeto já coletava 5 milhões de preços diariamente, provenientes de mais de 300 varejistas em 50 países

Ilustração gerada pela ferramenta DALL-E

Vamos conectar os pontos e separar o joio do trigo? O uso de dados, inicialmente pensado para um objetivo específico, pode gerar impacto em decisões e desafios que não pareçam relacionados à primeira vista. Jhon, como assim?

Suponhamos que sua empresa possui um produto que contém diversas linhas. Frequentemente, essa informação é utilizada na inteligência de mercado para expansão, entre outros. No entanto, já considerou que a migração acelerada de um grupo de clientes da linha A (mais cara) para a linha B (mais barata) pode indicar um possível churn? Assim, há indícios de que o cliente pode vir a abandonar o seu produto em breve.

O projeto (Billion) e seus dados foram inicialmente criados para atender aos desafios do setor público, de acordo com os fundadores. No entanto, em que outros setores esses dados poderiam causar impacto? A gama de possibilidades é ampla e vai além do nosso objetivo aqui, mas podemos elaborar algumas perguntas que podem ser respondidas com base nesses dados.

  • Será que existe uma estratégia digital que leve em conta a regionalização para determinados produtos?

  • Um varejista que inclui os custos logísticos no preço em seu canal digital vende mais do que outro que apresenta esses valores separadamente?

  • A conhecida ruptura de estoque em prateleiras pode estar ocorrendo também no ambiente digital? Se o produto X não está disponível no site de varejistas que atendem a região Y, e há demanda, isso pode representar uma oportunidade;

  • Uma empresa que possui um produto (que pode ser um insumo) sendo vendido em diversos segmentos através de canais, pode monitorar o aumento de preço por vertical e negociar uma margem melhor com os canais de distribuição?

  • As alterações de preços são similares entre as empresas (e seus produtos) em relação ao tempo, frequência e magnitude?

  • Será que as empresas digitais são mesmo digitais? Em que proporção os produtos offline estão representados online?

O Billion Prices Project é apenas um exemplo que pode ser replicado para diferentes fontes de dados e empresas. Os dados devem proporcionar uma vantagem competitiva, como ir além do discurso? Levando o exercício da edição de hoje para sistemas produtivos que impactam a vida real.

A era da IA está apenas começando! 🙂

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