O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez uma mudança de última hora nas estimativas do Orçamento de 2024 com o objetivo de reduzir o gasto da Previdência Social, que é obrigatório, e evitar uma compressão ainda maior de outras despesas discricionárias, como custeio e investimentos.
Em um intervalo de duas semanas, o CNPS (Conselho Nacional de Previdência Social) aprovou duas versões diferentes de orçamento, a última delas com um corte de R$ 12,5 bilhões encomendado pela área econômica para contemplar “medidas de redução” relacionadas à revisão de benefícios.
As projeções de despesas também ignoram eventual aceleração na concessão de benefícios para enfrentar a fila do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), que acumula pelo menos 1,69 milhão de pedidos –o número está sob escrutínio após divergências entre relatórios revelarem o sumiço de 223 mil requerimentos, como mostrou a Folha de S.Paulo.
Documentos obtidos pela reportagem mostram que o CNPS, colegiado formado por representantes do governo, dos empregadores e dos trabalhadores, aprovou uma primeira versão do orçamento do RGPS (Regime Geral da Previdência Social) em reunião extraordinária no dia 3 de agosto.
A apresentação feita aos conselheiros indicava a necessidade de R$ 895,7 bilhões para honrar benefícios previdenciários no ano que vem, valor 7,24% maior do que o previsto para 2023. As cifras foram calculadas pelo INSS em nota técnica produzida em 14 de julho.
Os montantes foram discutidos e aprovados na reunião e resultaram na resolução CNPS/MPS 1.354, publicada no Diário Oficial da União em 4 de agosto.
Em 15 de agosto, o INSS produziu nova nota técnica “com o propósito de atender às demandas expostas no Ofício SEI Nº 3229/2023/MPO, de 01/08/2023”. MPO é a sigla do Ministério do Planejamento e Orçamento.
A reportagem não teve acesso a este ofício específico, mas apurou que houve um pedido conjunto da JEO (Junta de Execução Orçamentária) para que as estimativas da Previdência incorporassem uma economia de recursos a partir da revisão de benefícios.
A JEO é uma instância de deliberação sobre questões orçamentárias formada pelos ministros Rui Costa (Casa Civil), Fernando Haddad (Fazenda), Simone Tebet (Planejamento) e Esther Dweck (Gestão). O órgão conta com a assessoria de técnicos da área econômica.
A nova nota técnica do INSS indicou a necessidade de R$ 897,7 bilhões para honrar benefícios previdenciários (R$ 2 bilhões a mais do que na estimativa anterior), mas abateu R$ 12,5 bilhões referentes a “medidas de redução”.
O documento não traz nenhum detalhamento de como se chegou a esse impacto, apenas elencou “a necessidade de empreender a revisão de benefícios previdenciários” com o propósito de atender a decisões do TCU (Tribunal de Contas da União) como um fator considerado nas projeções.
Os acórdãos citados apontam efeitos potenciais de R$ 2,9 bilhões com a correção de irregularidades e de R$ 6,6 bilhões com a revisão de possíveis pagamentos indevidos por ausência de perícia médica no prazo devido.
Em 17 de agosto, em reunião extraordinária, o CNPS aprovou a nova versão do orçamento do RGPS para 2024, com uma reserva total de R$ 885,2 bilhões para pagamento de benefícios –alta nominal de 5,98% em relação a 2023.
Uma segunda resolução, de número 1.355/2023, foi publicada no Diário Oficial de 18 de agosto –apenas 13 dias antes do envio formal da proposta orçamentária ao Congresso Nacional.
Procurados, os ministérios da Fazenda e do Planejamento disseram que as perguntas sobre o tema deveriam ser direcionadas ao Ministério da Previdência Social, que repassou ao INSS.
O INSS informou que a projeção orçamentária leva em consideração os acórdãos do TCU, que apontam a existência de irregularidades.
“Cabe destacar, no entanto, que um grupo de trabalho interministerial foi criado pelo presidente Lula, e medidas serão tomadas a partir das diretrizes deste grupo. O INSS reafirma seu compromisso em combater fraudes e minimizar erros para prestar um serviço de excelência aos cidadãos”, diz, em nota.
A Casa Civil não se manifestou.
A revisão de gastos tem sido defendida publicamente pela ministra Simone Tebet, que afirmou ser necessário analisar a despesa do INSS com “lupa”.
“O Tribunal de Contas da União falou que, de R$ 1 trilhão de benefícios, pode ter algo em torno de 10% de erros ou fraudes. Se ficarmos com 1% de R$ 1 trilhão, ou 2% de R$ 1 trilhão nessa lupa que temos e que iremos fazer em relação às fraudes e erros do INSS, são exatamente entre R$ 10 bilhões e R$ 20 bilhões que nós precisamos e temos que fazer para recompor o orçamento de todos os ministérios, que teriam em um primeiro [momento] uma perda de 2023 para 2024”, disse em 22 de agosto, dias após o ajuste nas contas do RGPS.
Especialistas veem os números do governo com ceticismo, já que a variação do gasto da Previdência programada para o ano que vem mal cobre a correção obrigatória dos benefícios já existentes.
Segundo o próprio INSS, 62% dos pagamentos correspondem a um salário mínimo. O governo prevê que o piso subirá a R$ 1.421 no ano que vem (alta de 7,65%) graças à nova política de valorização proposta pelo Executivo e chancelada pelo Congresso. Os demais 38% são corrigidos pela inflação, estimada em 4,48%.
Técnicos consultados sob reserva estimam que o reajuste médio, ponderado por essa composição diferenciada dos benefícios, deve ficar em 5,9%, já muito perto de consumir todo o espaço disponível no Orçamento de 2024.
O INSS ainda prevê um crescimento vegetativo de 1,03% da folha de pagamento, uma medida de quanto deve ser a expansão do número de beneficiários da Previdência diante das novas concessões.
Mas a variação pode ser maior, caso o Ministério da Previdência Social seja bem-sucedido em sua tentativa de enfrentar a fila de espera, um problema que se arrasta há anos e foi colocado como prioridade pelo presidente Lula diante do impacto negativo sobre a vida dos segurados.
Sob a perspectiva do governo, porém, quanto maior o número de concessões, mais pressão sobre o Orçamento.
Na segunda nota técnica, com as estimativas reduzidas, o INSS acrescentou uma espécie de vacina abrindo a possibilidade de revisão futura dos números. A ressalva não constava na primeira nota técnica.
“Salientamos que a projeção está considerando as medidas delineadas nos itens 6 a 8 desta nota técnica, com o objetivo de aprimorar a execução orçamentária e financeira, sendo monitorada e avaliada nos relatórios bimestrais, para permitir a correção de eventuais distorções”, diz o documento.
Nos bastidores, uma ala de técnicos do governo acredita ser possível alcançar a economia de R$ 12,5 bilhões projetada no Orçamento de 2024, a exemplo do trabalho que vem sendo conduzido na revisão do cadastro do Bolsa Família.
Outro grupo dentro do próprio governo, no entanto, demonstra desconforto com as estimativas reduzidas e reconhece que é muito difícil chegar a um resultado expressivo no curto prazo com revisão de benefícios.
Especialistas de fora corroboram a visão da ala mais cética. “Ainda não veio nenhuma explicação de como isso [economia com revisão de benefícios] será obtido. Veio um número chutado”, afirma o economista Marcos Mendes, ex-chefe da Assessoria Especial do Ministério da Fazenda.
Em sua visão, os valores programados não serão suficientes para acomodar os reajustes de benefícios e as novas concessões.
Essa não é a primeira vez que o governo Lula altera dados de última hora para reduzir o peso de despesas obrigatórias no Orçamento.
Como revelou a Folha de S.Paulo em abril, o Executivo reduziu sua previsão de salário mínimo para 2023, de R$ 1.320 para R$ 1.302, a despeito de Lula já ter anunciado o novo valor, para evitar um aumento nos gastos com a Previdência no primeiro relatório de avaliação do Orçamento divulgado na gestão petista.
Na época, a mudança também foi uma decisão da JEO. Técnicos, porém, minimizam o peso do episódio, uma vez que o impacto foi efetivamente incorporado às estimativas de gastos no relatório subsequente, divulgado em maio.
* IDIANA TOMAZELLI (BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
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Fonte: Paraíba Online