A Comissão de Políticas Públicas (CPP) debateu, na manhã desta quarta-feira (19), a possível mudança de nomenclatura de zona rural para região de pouca densidade e as consequências que essa alteração pode trazer para a população rural.
A audiência pública reuniu agricultores, secretários da Gestão Municipal e representantes do Consórcio Urbtec, responsável pela revisão do Plano Diretor que propõe a mudança.
“Se o campo não planta, a cidade não come”, declarou a presidente da Comissão, vereadora Eliza Virgínia (PP) ao iniciar a justificativa da audiência pública. A parlamentar destacou a importância da agricultura familiar que a zona rural de João Pessoa oferece: “Sem conservantes, sem veneno. São alimentos para a população urbana sobreviver, consumindo e gerando renda”.
Eliza Virgínia ressaltou o acelerado crescimento da cidade. “João Pessoa não tem mais para onde crescer. O Colinas do Sul, bairro que antecede a área, está se expandindo cada vez mais. Ainda existe a zona rural, onde não é permitido o adensamento demográfico. A população tem muito receio dessa mudança de nomenclatura”, declarou, enfatizando que vai dar espaço para a sociedade expor suas preocupações.
O presidente da Comissão Multidisciplinar para Subsidiar a Atualização do Plano Diretor, vereador Damásio Franca (PP) informou que o Plano Diretor chegou no ano passado à CMJP e o presidente Dinho (Avante) criou uma Comissão Multidisciplinar para avaliar o que veio da PMJP.
“A prefeitura já realizou mais de 200 reuniões para elaborar este projeto. Nós já fizemos audiência pública e reuniões com o Tribunal de Contas. Tivemos reunião no Sinduscon e hoje estamos participando desta reunião mais para escutar e ver o que a Câmara pode contribuir no Plano Diretor nesses pleitos de vocês. Estamos mais para escutar vocês”, disse.
O vereador Carlão também reforçou que estava na reunião para ouvir. “Eu escutava de alguns que aqui conversavam e vi em faixas palavras de defesa da zona rural de João Pessoa. Se o campo não planta, a cidade não come. O Cinturão Verde de nossa cidade não pode acabar. Precisamos preservar essa região para essas famílias que precisam dos seus espaços para continuar a trabalhar cultivando a terra. A zona rural de João Pessoa pode se perder e deve ser preservada como patrimônio. Se esse Plano Diretor não olhar para o povo da zona rural de nossa cidade não contará com meu voto para sua aprovação”, ensejou.
Agricultores externam preocupações
Manoel Luiz dos Santos, agricultor familiar, demonstrou preocupação com a mudança de zoneamento.
“Estamos na área de Ponta de Gramame há mais de 20 anos. Somos 53 famílias vivendo da agricultura, e não sabemos fazer outra coisa. Nossa preocupação é que o Plano Diretor transforme a área rural em área urbana e isso faça com que a gente perca benefícios. Como vamos sobreviver?”, questionou.
O agricultor familiar Joselito Severino dos Santos ressaltou a importância da produção rural. “Temos 11 feiras, que levam produtos de boa qualidade”, afirmou, destacando ainda que a atividade rural preserva a margem do Rio Gramame e a Mata Atlântica.
Técnico responsável pela comercialização dos produtos de 20 famílias de agricultores de Ponta de Gramame, Washington Severino dos Santos, explicou que os produtos oferecidos nas 11 feiras em diversos bairros de João Pessoa movimentam mais de R$ 1,5 milhão e cerca de 960 mil toneladas de alimentos por ano. Ele destacou ainda que, além da questão econômica, tem a preservação do meio ambiente.
“Temos uma convivência harmoniosa com o rio, com preservação da mata ciliar, onde muitos vivem da pesca”, explicou.
Outra agricultora que se identificou como Adriana fez um desabafo e asseverou que se os vereadores e o prefeito não atentarem sobre a zona rural de João Pessoa vão acabar com a vida de 53 famílias que trabalham na região.
“Só sabemos plantar, colher e fornecer produtos agrícolas para a cidade. É muito triste o pequeno agricultor não ter voz. Precisamos de um olhar de incentivo, de como levar para a população o que plantamos. Não deixem esse Plano passar, se não vamos ter que ir para rua roubar. A gente não quer isso, queremos plantar, colher e levar para a sociedade comer, com qualidade e com produtos orgânicos. Vocês precisam de comida e para isso precisam da gente. Nós não temos apoio. Sou analfabeta, mas pelos meus direitos vou longe”, asseverou.
Dema Joaquim, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de João Pessoa, esclareceu que, embora a zona rural seja definida por um perímetro, qualquer imóvel que desenvolver trabalho rural, mesmo localizado no perímetro urbano, é caracterizado como imóvel rural para fins de benefícios.
“O Plano Diretor vai cuidar, além do perímetro, dos benefícios que ele pode trazer. Hoje temos uma dificuldade muito grande de reconhecer o agricultor familiar. Somos massacrados quando fazemos um pedido na Previdência Social, com exigências de documentações muito difíceis de reunir. Após a aprovação do Plano Diretor é necessário que haja todo um cuidado para que o agricultor familiar possa sobreviver enquanto puder trabalhar e também quando não puder”, alertou.
O representante dos trabalhadores rurais ainda sugeriu uma reunião com toda a comunidade rural, que envolve mais de cem famílias, para ouvir ideias e alcançar a aprovação de um Plano Diretor digno, que não traga prejuízos para os agricultores.
“Em 2017 vivemos essa mesma luta para reconhecer a área rural, porque o setor imobiliário é muito forte. Queremos o esboço total do projeto para saber se houve diminuição da zona rural, foi isso que nos trouxe aqui. Ponta de Gramame é uma área que querem retomar através de ações de despejo”, lembrou.
Consórcio e Secretaria deesclarecem mudanças
O gerente de projetos do consórcio Urbtec, Douglas Christofari Viero, explicou que o objetivo de ampliar os limites do perímetro urbano, transformando a zona rural em zona de baixa densidade demográfica, é aumentar o controle sobre essa área que, atualmente, por se tratar de área rural, está sob gestão do Incra.
“No entanto, os parâmetros de uso e ocupação dessas áreas foram mantidos. A zona de baixa densidade é destinada ao controle da expansão urbana, estamos criando incentivos para que essas áreas mantenham suas características de uso e ocupação rural”, esclareceu.
A advogada do consórcio, Luciane Leiria Taniguchi, reforçou que o objetivo da mudança é melhorar o controle do território e a qualidade de vida dos habitantes da região.
“A ideia não é tirar ninguém do local e deixar empecilhos à produção dos agricultores, que é de suma importância, e, sim, ter maior controle e possibilitar a inclusão em ações de plano de investimentos, além de incentivar e melhorar a qualidade de vida de quem habita” afirmou, destacando o que vai dizer se uma área é rural ou não é a destinação do imóvel ou território e não a zona em que ele está.
A diretora da Secretaria de Planejamento de João Pessoa (Seplan), Perla Felinto, esclareceu que transformar todo território de João Pessoa em urbano não significa que se vai fazer expansão urbana. De acordo com ela, ainda existem muitas áreas próximas a mananciais que vão continuar com atividades agrícolas até mesmo para preservação desses importantes mananciais.
“Estamos protegendo mais as áreas de uso rural, mas precisamos ter conhecimento de quem são os produtores rurais. Ao fazer os cadastros e sabermos quantas famílias são, poderemos incluí-las em benefícios. Embora essas áreas sejam transformadas em urbanas seu uso será predominantemente rural. Isso vai proteger porque ninguém poderá mudar de uso rural para urbano. Estamos protegendo um pouco mais isso tudo. A gente precisa valorizar cada vez mais o trabalho que o Cinturão Verde faz em João Pessoa. Vamos cada vez mais assegurar isso”, garantiu.
A arquiteta Valéria von Buldring, do Núcleo de Estudos e Análise Urbana (NEAU) da Seplan, reforçou que a secretaria está de portas abertas para esclarecer qualquer dúvida que ainda possa existir em relação à revisão do Plano Diretor.
“Esse Plano é para a cidade. Temos uma equipe técnica que envolve 25 profissionais da Prefeitura e 80 técnicos do consórcio Urbtec realizando um estudo muito sério”, assegurou.
A vereadora Eliza Virgínia arrematou as discussões ratificando que os impostos não serão atrelados ao zoneamento, mas sim à destinação do uso do imóvel. Ou seja, quem tem atividade rural continua isento de IPTU. Sobre a posse dos terrenos, a vereadora deixou claro que esta é uma questão jurídica.
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Fonte: Paraíba Online