Os cem primeiros dias de governo dos presidentes da República que tomaram posse após o fim da ditadura militar (1964-1985) reúnem episódios dramáticos como a morte do eleito, o confisco dos recursos bancários dos brasileiros e um ataque golpista aos prédios do três Poderes.
A largada também envolveu uma situação bastante comum: a ênfase em propostas de equilíbrio das contas públicas e de controle da inflação, nem sempre com sucesso.
Em janeiro de 1985, o Congresso Nacional elegeu de forma indireta o primeiro civil para ocupar a Presidência da República desde o golpe de 1964, o mineiro Tancredo Neves.
A tradicional raposa política não teria seus cem primeiros dias de governo. Não teria nem mesmo um. Internado na véspera da posse, em 15 de março, morreu cinco semanas depois, em 21 de abril, vítima de uma infecção generalizada.
Em seu lugar, assumiu José Sarney, ex-integrante da Arena e do PDS —respectivamente o partido de sustentação da ditadura e o seu sucessor— e cristão-novo no PMDB (hoje MDB).
O período foi marcado pelas dúvidas sobre a capacidade de sustentação do novo presidente. Para se manter no poder, Sarney se ancorou na política de “uma transição com as Forças Armadas e não contra elas” e no apoio de boa parte dos políticos egressos da ditadura.
No Congresso, o presidente era ofuscado por Ulysses Guimarães (1916-1992), presidente da Câmara, estrela maior do MDB e um dos principais políticos da redemocratização.
Neste período, iniciava-se a consolidação da transição ditadura-democracia, com medidas de substituição do arcabouço legal autoritário por normativas democráticas. Boa parte dessas medidas, porém, foram creditadas ao esforço do Congresso, de Ulysses em particular, e não do governo.
Sarney também lançou o plano nacional de reforma agrária, que sofreu forte oposição dos setores rurais e conservadores.
A transição para a democracia só se consolidaria com a aprovação da Constituição de 1988 e as eleições presidenciais diretas de 1989.
Na área econômica, optava-se por medidas de contenção artificial dos preços e de redução de gastos com o objetivo de combater a inflação e o déficit das contas, em um cenário ainda de dívida externa e de forte pressão
comandada pelo Fundo Monetário Internacional.
A equipe, comandada por Francisco Dornelles, cairia com cinco meses de governo, em agosto de 1985. A principal medida na área só seria implantada no segundo ano de governo, com Dilson Funaro na Fazenda: o fracassado Plano Cruzado, de 1986.
Cinco dias após os cem dias, Sarney enviaria ao Congresso a proposta de convocação da Assembleia Nacional Constituinte, que resultaria na Constituição de 1988.
O sucessor de Sarney, Fernando Collor de Mello, elegeu-se pelo nanico PRN e assumiu em março de 1990 anunciando o espetaculoso Plano Collor, o choque anti-inflacionário que incluiu confisco de depósitos e aplicações bancárias da população por 18 meses, congelamento de preços e prefixação de aumentos salariais.
A esperada queda a zero da inflação dos patamares de 80% não se confirmou, sendo que na marca dos cem dias já estava em torno de 10%, erodindo o apoio inicial ao plano.
A promessa de reforma administrativa, que visava demitir cerca de 360 mil funcionários públicos —na esteira da fama de “caçador de marajás” que o catapultou nacionalmente—, também se mostrou inviável, atingindo menos de 10% da meta estabelecida para os cem dias.
Collor sofreu impeachment em 1992, ocasião em que seu vice, Itamar Franco (1930-2011), assumiu o cargo.
Em seus primeiros cem dias, Itamar propôs a aprovação de um plano de ajuste fiscal emergencial, o que levou o Congresso Nacional a ser convocado extraordinariamente no início de 1993.
Nessa ocasião, foi aprovado o IPMF (antecessor da CPMF), imposto sobre transações financeiras que vigorou em 1994. Ele também buscou aumentar sua base de apoio e estabelecer um pacto de governabilidade após o impeachment, o que incluiu reunião com presidentes de partidos, em janeiro de 1993.
Os cem primeiros dias do sucessor de Itamar, o seu então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso (PSDB), foram embalados pelo sucesso do Plano Real, que o elegeu.
O tucano priorizou medidas de contenção de gastos e de manutenção da estabilização da moeda.
Nos cem primeiros dias, houve a sanção da Lei das Concessões, que permitia que a iniciativa privada atuasse em áreas como energia elétrica, saneamento e telecomunicações.
Apesar de boa base no Congresso, FHC sofreu uma derrota importante, sendo obrigado a elevar o salário mínimo de R$ 70 para R$ 100, e não R$ 80, como queria.
Em sua largada, em 2003, Lula priorizou ações no sentido de mostrar austeridade na economia, diante da grande desconfiança do mercado, além de preocupação social, diante das pressões de sua base de apoio.
Nesse período foi lançado o Fome Zero, que depois viraria o Bolsa Família, hoje o maior programa social federal.
Na economia, Antonio Palocci conduzia uma política pró-arrocho fiscal, que incluía a fixação de meta de superávit fiscal de 4,25% do PIB, a maior da história.
Estavam na ordem do dia, também, as discussões da Reforma da Previdência, que seria encaminhada pelo governo e aprovada no final do ano pelo Congresso.
Dilma Rousseff (PT) iniciou sua gestão, em 2011, com a marca do continuísmo em relação ao padrinho político, com adaptações ao seu estilo, menos “palanqueiro” e de gosto pela gerência mesmo dos assuntos mais laterais da administração federal.
Uma mudança de Dilma em relação a Lula, nos cem primeiros dias, foi uma posição direta em defesa dos direitos humanos na política externa, diferentemente da ambiguidade da gestão Lula em relação a ditaduras de esquerda.
Com folgada maioria no Congresso, de cerca de 380 das 513 cadeiras da Câmara, ela conseguiu resistir inicialmente ao loteamento de cargos entre aliados.
Na economia, promoveu corte de R$ 50 bilhões no Orçamento e injetou recursos no BNDES. O Banco Central indicava que deixaria a inflação superar a meta com o objetivo de não afetar o crescimento do país.
Após o impeachment da petista, em 2016, Michel Temer (MDB) teve como principal medida o envio ao Congresso da proposta de teto de gastos por até 20 anos, medida depois aprovada, mas que acabou sendo desfigurada de modo mais intenso na pandemia e que será revogada pelo novo arcabouço fiscal
Três ministros caíram nos primeiros cem dias, entre eles Romero Jucá (Planejamento) após a Folha revelar gravação de conversa entre ele o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado. No áudio, Jucá propunha um “pacto” para deter a “sangria” da Operação Lava Jato.
Eleito pelo então nanico PSL na onda conservadora de 2018, Jair Bolsonaro (hoje no PL), também iniciou seu governo com troca de ministros —Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral) caiu após atritos com a família presidencial e em meio ao escândalo das candidaturas de laranjas. Ricardo Vélez Rodríguez (Educação) foi demitido às vésperas da data de cem dias.
Bolsonaro tentou emplacar modelo de relação com o Congresso negociando com frentes parlamentares, não partidos, o que depois se mostrou um fracasso e foi abandonado.
Ele enviou no período inicial de cem dias a proposta de Reforma da Previdência, que acabou sendo conduzida em grande parte pelo Congresso e resultou na maior reforma do sistema na história.
Começou também o processo de afrouxamento das regras de compra de armas e munições, do desmonte do aparato de fiscalização ambiental e enviou ao Congresso o chamado “pacote anticrime”, elaborado por Sergio Moro, que acabou sendo desfigurado em relação à proposta original por meio da base governista e dos próprios vetos e sanções de Bolsonaro.
Lula 3 assistiu ao ataque golpista de bolsonaristas às cúpulas dos Três Poderes no oitavo dia do seu governo.
Nessa largada, ele trocou o comandante do Exército, na linha de despolitização das Forças Armadas, manteve o pagamento de R$ 600 no Bolsa Família, com adicional de R$ 150 por filho menor de seis anos, além de coordenar ações em prol do povo yanomami e de adotar uma série de ações de revogações de normativas e ações da gestão Bolsonaro.
Em comum com vários antecessores, a questão das contas públicas, inflação e crescimento da economia. Ao mesmo tempo em que anunciou a proposta do novo arcabouço fiscal, atacou publicamente o presidente do Banco Central em uma pressão para a queda dos juros.
Por não ter ainda segurança em sua base de apoio no Congresso, montada por meio de oferecimento de ministérios, cargos e emendas orçamentárias, Lula não teve votações de relevo nesses primeiros cem dias de sua gestão.
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Fonte: Paraíba Online